sexta-feira

O poço do desejo - por António Vitorino -

Nesta semana que finda, o preço do trigo nos mercados internacionais atingiu o seu valor mais alto dos últimos 22 meses e o barril do petróleo bordejou os 80 dólares.dn
Para os mais optimistas significa que a crise financeira e económica deve estar à beira do fim, porque estamos a voltar ao cenário… da crise de 2007, provocada pelo aumento das matérias-primas alimentares e energéticas! Os pessimistas dirão, por seu turno, que acresce à crise ainda em curso uma quebra da oferta e uma retoma dos movimentos especulativos sobre os bens alimentares e o petróleo que ocuparam as manchetes do Verão de há dois anos…
Com efeito, as alterações climáticas de que praticamente se deixou de falar a seguir à Conferência de Copenhaga, em Dezembro de 2009, voltam a fazer-se sentir, quer na intensidade dos fogos florestais e da seca prolongada na Rússia quer nas terríveis inundações no Paquistão, provocando uma assinalável quebra da produção cerealífera na Rússia, na Ucrânia e nos demais países da Ásia Central. Só no espaço do último mês o trigo aumentou cerca de 60% do seu preço… Mas a procura de cereais não apresenta sinais de contracção!
A distracção provocada pela crise do sistema bancário e financeiro não anulou os problemas de fundo da economia internacional, que, assim, voltam de novo à superfície do debate político à escala global.
E, por falar em superfície, foi também nesta semana que a BP informou ter logrado tapar o poço de petróleo que há 105 dias derramava crude no golfo do México. Embora esta notícia ainda esteja dependente de confirmação quanto à sua sustentabilidade a prazo, sabe-se que o petróleo derramado nestes três meses correspondeu a 4,9 milhões de barris e que a petrolífera inglesa terá de responder por danos e indemnizações avaliados em 30 mil milhões de dólares! O número faz concorrência às cifras a que nos habituámos com a crise do sistema bancário!
O desastre ecológico das costas da Luisiana foi já considerado o pior das últimas décadas, e a extensão da calamidade ambiental chegará em breve à própria economia. Com efeito, o que sucedeu no golfo do México vai obrigar os Estados e as empresas a reequacionarem as condições de exploração do petróleo a grande profundidade, exploração essa responsável por boa parte das reservas susceptíveis de serem utilizadas nos próximos anos.
O debate no Congresso sobre o tema vai decerto saldar-se por novas exigências sobre as condições de segurança das explorações offshore a grande profundidade, delas decorrendo naturalmente custos acrescidos para as próprias empresas petrolíferas. E o que vier a ser decidido pelos legisladores americanos acabará por influenciar outros países e outras empresas envolvidas nesta actividade económica.
O que não deixa de ser profundamente irónico: a crer nos relatos produzidos aquando da perda de controlo do processo de extracção do crude do poço Macondo, mais do que uma falha humana ou tecnológica esteve em causa um erro do sistema de monitorização do processo e uma incapacidade de resposta imediata que permitiu o alastrar da catástrofe, erro esse que derivou de uma obsessiva preocupação com o corte dos custos da operação de extracção! É caso para dizer que raramente um corte de custos terá custado tão caro, em termos de degradação ambiental e de responsabilidades financeiras das empresas envolvidas!
O desastre do golfo do México terá consequências duradouras e prolongadas no tempo, a começar por um aumento dos custos de extracção que decerto se repercutirão no preço do barril de petróleo a curto prazo. O que é uma má notícia para os consumidores em geral e, muito especialmente, para os países que dependem de importações de combustíveis fósseis e que já se encontram numa situação debilitada do ponto de vista das suas contas externas…
Ao ver as imagens impressionantes que nos chegam das profundezas do golfo do México, além de ver o bombear da chamada "lama" para dentro do poço, vejo também o comum contribuinte a deitar dinheiro para dentro do malfadado poço. Com a agravante de que nem serve de compensação recordar a nossa infância, onde nos diziam que se deitássemos uma moeda a um poço e formulássemos um desejo ele se concretizaria no dia seguinte!
Obs: Um retrato eficiente e abundante do mundo contemporâneo, com mais agruras do que maravilhas. É o que temos. Ainda bem que Portugal não dispõe - no manto dos seus recursos naturais (além de sol e praia) - de jazidas petrolíferas... Em tempos ainda se falou que "havia petróleo no Beato", mas isso não passou duma peça de teatro. Ainda que os portugueses, mesmo privados de ouro negro, também tenham o seu fardo com tantos impostos que já pagam e a benefício de tão pouco.

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