'Inocentes' úteis - por António Vitorino -
Na semana em que o PS veio formalmente apoiar a candidatura presidencial de Manuel Alegre, surgiram notícias várias de que estaria em curso uma busca de um candidato alternativo ao actual Presidente da República na área da direita.dn
O pretexto seria o facto de o professor Cavaco Silva não ter exercido o veto político em relação à lei que regula o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Alguns comentários que vieram a público, sem nunca assumirem a paternidade de tal busca de um candidato alternativo, acabaram por alargar a crítica ao actual Chefe do Estado evidenciando uma avaliação globalmente negativa do seu primeiro mandato. Os argumentos dessa avaliação crítica vão desde uma leitura demasiado institucional do cargo por parte do professor Cavaco Silva (que implicitamente beneficiaria o actual Governo e o partido que o apoia) até ao facto de não ter promovido um "Governo de unidade nacional" após a perda da maioria absoluta pelo PS nas eleições legislativas de Setembro do ano passado. O facto de não ter vetado a lei dos casamentos gay seria apenas a gota que teria feito transbordar o copo…
Estas críticas que agora surgem não foram, contudo, formuladas anteriormente nos momentos mais apropriados. Com efeito, não me lembro de ninguém ter defendido uma fórmula governativa abrangente após as eleições de 2009. Antes me lembro bem, isso sim, das vozes que criticaram como pura hipocrisia a ronda de contactos que o primeiro-ministro levou a cabo com todos os partidos no tocante à fórmula governativa a adoptar, dada a ausência de uma maioria absoluta no Parlamento…
O pretexto agora invocado visa cavalgar umas declarações (infelizes e até algo surpreendentes!) do cardeal-patriarca de Lisboa, indicando que se Cavaco Silva tivesse vetado aquela lei… teria ganho as eleições presidenciais! O cardeal de Lisboa costuma ser mais hábil e prudente nas suas declarações públicas e, assim, acabou (decerto involuntariamente) por dar o pretexto para alguns ajustes de contas à direita com o Presidente que tudo leva a crer será candidato à sua própria sucessão.
Não está em causa o argumento invocado pelo Presidente da República para não vetar a lei. Dificilmente haverá quem, seja à esquerda seja à direita, duvide da efectiva discordância do professor Cavaco Silva com a lei dos casamentos de pessoas do mesmo sexo. Mas o argumento de que não exerceria o veto político por ele não ter efeitos práticos é de facto manifestamente pobre, colado a uma lógica pragmática que, por isso, abriu espaço para a leitura implícita formulada pelo cardeal-patriarca: a de que, no fundo, o Presidente teria decidido em função de um cálculo eminentemente eleitoral quanto à sua recandidatura, cálculo esse que merece a discordância de D. José Policarpo, a ponto de invocar exactamente a reeleição para fundamentar a defesa de um veto fundado numa convicção que seria, essa sim, eleitoralmente pagante!
Seria ingenuidade pensar que, com a decisão de não vetar, o professor Cavaco Silva teria dado um sinal de que pretenderia "mudar de maioria de apoio" do primeiro para o segundo mandato… O Presidente sabe bem que, quando decidir divulgar a sua recandidatura e, sobretudo, quando os portugueses forem às urnas em Janeiro do ano que vem, não será este "não-veto" que lhe alienará o apoio do espectro político mais à direita! O problema do professor Cavaco Silva para a sua reeleição situa-se muito mais na captação do voto ao centro logo na primeira volta, de modo a poupar-lhe uma segunda volta onde a lógica bipolarizadora será sempre muito mais forte e cujo resultado final lhe poderia reservar alguma surpresa desagradável.
Nesse sentido, estas movimentações para encontrar um candidato de direita "genuíno" (o que quer que isso seja…), bizarras e com sabor a um desespero votado ao malogro, até decerto são vistas com bonomia e um certo agrado pelos estrategos de Belém: um "recentramento à borla" da recandidatura do actual Presidente não se agradece, mas no íntimo há sempre guardado um sorriso generoso para com os "inocentes" úteis! Obs: Digamos que o problema para a esquerda no seio destas eleições presidenciais não radica apenas no pequeno incidente gerado pelas declarações extra-religiosas proferidas pelo cardeal D. José Policarpo, que um dia queria ser Papa, mas reside, essencialmente na falta de perfil e capacidade do poeta Alegre para o eficiente desempenho da função. Ora, como o PR ainda em funções manifestou igual incapacidade, os portugueses serão obrigados a concluir que estão paralisados e caíram num impasse. E era na escapatória dessa putativa solução que gostaria de ter visto António Vitorino reflectir, mas optou por não o fazer. É pena. Mas a história, essa imensa fábrica de inovações, surpresas e desatinos ainda nos surpreenderá, bastando que a doença que se fala em Cavaco progrida, revelando-o efectivamente incapaz para o exercício do cargo e, in extremis, o psd se veja confrontado dentro da sua própria "gaiola de ferro" ao ter de propor o nome da dama de ferro e discípula de cavaco, Manuela Ferreira leite, para o suceder neste péssimo 1º mandato que Cavaco, o presidente das inventonas, fez de 2007 a 2011.
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