quinta-feira

O(s) vazio(s): Alegre e Cavaco

A entrevista de Alegre está na razão directa da "qualidade" das prestações de Cavaco no país. Alegre escolhe Cavaco para se libertar e atrair o apoio do PS, mas nem um nem outro oferecem uma causa, uma missão, um desígnio que mobilize os portugueses nas próximas eleições presidenciais. Alegre desafia Cavaco a dissolver o seu tábu, o PR não responde, Nobre diz que assim tudo se clarifica. Tentei identificar uma única ideia em Alegre que faça a diferença da banalidade do actual consulado de Cavaco, mas não encontrei. E não é má fé de quem escreve, é apenas o reconhecimento de que Portugal matou as suas elites, escavacou a possibilidade de aparecerem pessoas com uma visão reformista para Portugal, e que canalizem essas energias para refundar a nossa identidade, produzir um novo pensamento político português para a Europa, refundar a CPLP e aí dinamizar parcerias e uma cooperação multisectorial que estreite as ligações multilaterais entre a ex-metrópole e a lusofonia. Alegre não é já um homem deste tempo, e pensa aquilo que alguns assessores lhe ditam, mas está desfazado do tempo. A forma primária como respondia às questões igualmente básicas da entrevistadora, o modo como articulava e correlacionava os vários temas... Tudo aquilo sabia a pouco, a um vazio que deprime ainda mais os portugueses. Lembrei-me das orais de faculdade quando estava no meu 1º ano do curso de licenciatura, sempre tudo muito pouco elaborado, porque sim, talvez e porque não, foi assim o Alegre, o poeta, o literato, aquele que, também no domínio das letras deixa muito a desejar. Confesso que, como português não me sinto representado nem pelo actual PR, nem pelo candidato poeta que me apresentou umas vistas curtas para um pequeno grande país como Portugal, que já fez a gesta dos Descobrimentos e hoje precisa de se inventar. Alegre e Cavaco juntos representam menos, no plano simbólico, do que Nobre. Em rigor, estas prestações pseudo-políticas apenas dão aos portugueses a indicação do lamento assente na perda de interesse pela política, a degenerescência da opinião veiculadas pelos candidatos ao poder, pela forma como entendem o poder e como somam os apoios às suas causa(sinhas). Com candidatos destes Portugal e os portugueses caminham para a minorização política e intelectual no quadro maior desta senilização civilizacional em que vivemos. Alegre representa hoje o paradoxo democrático do nosso tempo: afirma-se como poeta e homem de letras, mas depois não sabe ou não pode extrair uma única vantagem dessa situação; e obriga-nos a reconhecer que Cavaco é o seu simétrico mas com uma componente tecnocrática. Um e outro representam o vazio contemporâneo de Portugal. Um espelho duma confrontação elementar em que os acontecimentos decorrem dos espectáculos que as respectivas máquinas partidárias consigam gerar no apoio a cada um no quadro da dramarturgia conseguida. No fundo, as próximas eleições presidenciais serão uma guerrinha entre ps e psd - com o BE de permeio - muito pornográficamente, em que Coelho acusa Alegre de ser um agente de Sócrates, e Sócrates acusará Coelho de ser o novel apêndice de Belém, numa reedição de manuela Ferreira leite. Será, pois, uma eleição de notificação, uma circunstância em que o espaço público já não é o processo em que as ideias de apresentam e os projectos se formam, mas o lugar onde as guerrinhas se declaram entre as partes. Algo sem importância, portanto. E a ser assim, talvez valha a pena confiar num médico sem fronteiras, pois em caso de alguma hemorregia sem ficamos melhor acompanhados...

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