terça-feira

Teresa Rainha: uma Mulher interessante que interessa a Portugal e Espanha

Texto e imagem picados aqui
Para se perceber o que ela anda a fazer, é só olhar para um mapa da Península Ibérica e ter algumas noções de História: Mérida, onde está a sede da Junta da Extremadura, era, no tempo dos romanos, Emérita Augusta, a capital da Lusitânia, província que tinha em Olissipo o seu porto marítimo e no Tejo a coluna vertebral.
Guillermo Fernandez Vara, o socialista que há três anos preside à Junta da Extremadura, vem a Lisboa apanhar o avião para Bruxelas, não só porque Lisboa fica mais perto (280 km) de Mérida do que Madrid (320 km), mas também porque estreitar os laços com Portugal é uma vantagem competitiva para a sua comunidade autónoma no interior do Estado Espanhol.
Teresa, 39 anos, é, à primeira vista, 100% portuguesa. Não há pinga de sotaque no português rico e fluente em que se exprime, o que é natural pois viveu e estudou em Lisboa (licenciou-se em Relações Internacionais na Lusíada), apesar de ter nascido em Ávila, onde a mãe, espanhola de Valencia de Alcântara, teve todos os seus filhos.
Filha de um português, engenheiro da EDP que foi director geral das Pescas, cresceu em Lisboa mas a falar castelhano em casa, a frequentar o Instituto Cervantes, a ver a TVE (menos os filmes, pois não gosta deles dobrados), a ler e ouvir literatura e música espanholas. “A minha mãe sempre foi muito espanhola”, explica Teresa, casada com um espanhol de Badajoz, de quem tem duas filhas (Inês, cinco anos, e Marta, um), que conheceu em Bruxelas, onde trabalhou 15 anos e foi a representante da Extremadura junto da UE.
Trocou Bruxelas por Lisboa, para abrir e dirigir uma delegação da Extremadura na capital do seu primeiro parceiro comercial. Portugal é o principal cliente e fornecedor desta comunidade, deixando o segundo (a Alemanha) a enorme distância. Os 800 bebés portugueses nascidos em Badajoz desde que fechou a maternidade de Elvas, demonstram estarem já muito longe os tempos a raia era apenas atravessada por contrabandistas e turistas de um dia, em busca de caramelos ou café baratos.
Teresa escolheu almoçarmos na cafetaria do Altis Belém, próximo da zona das embaixadas no Restelo, onde em Junho de 2009 ela inaugurou a delegação da Extremadura em Lisboa, onde à varanda flutua a bandeira às riscas horizontais verde, branca e preta e no interior trabalham sete pessoas para esbater a barreira física e psicológica de uma fronteira com 428 km.
Ela vinha ao cheiro dos célebres risottos do chef Cordeiro, mas decidiu-se por um polvo, que estava delicioso, acompanhado por uma imperial e sobremesado por uma mousse de chocolate com morangos. “Faço um tortilla de batata muito boa”, confessou, acrescentando que o segredo está em ter paciência para deixar a batata absorver o sabor do azeite.
Ao almoçou, falou do programa “El Portugués abre puertas” , que faz da Extremadura a região espanhola onde mais se fala a nossa língua (há 12 mil estudantes de Português), das relações transfronteiriças (Évora, Coimbra e Mérida são os vértices de uma nova euroregião), do MEAC de Badajoz que tem a sinalização bilingue e uma rica colecção de arte contemporânea portuguesa - questões que arrumam Olivença numa pequena gaveta da História.
“Queremos que nos invadam. A Extremadura é o sitio ideal para os portugueses porem o pé, para verem como é, antes de darem o salto para o resto de Espanha”, desafia Teresa, que se declara portuguesa em Portugal e espanhola em Espanha, e já formatou a resposta para uma eventual final Portugal-Espanha no Mundial de futebol: “Ganho sempre e vou ter pena do que perdeu”.
O TGV para Madrid, que porá Badajoz a 40 minutos de Lisboa, está tremido, pois o primeiro troço (Lisboa-Poceirão) foi congelado, o que leva Teresa a criticar o ancestral pessimismo português. “É preciso olhar em frente, ver mais além, agarrar as oportunidades e pensar no futuro. Essa maneira de ser pessimista é o lado em que eu não sou portuguesa. De mãos dadas, chegamos a 700 milhões de pessoas, em países emergentes como o Brasil, Angola, América Latina. Podemos fazer tantas coisas!”, conclui esta luso-espanhola, portuguesa por fora, mas muito espanhola por dentro.
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias.
Obs: Divulgue-se esta matéria pelo interesse que comporta para toda a Península Ibérica, que hoje vive, talvez, o melhor momento das relações ibéricas, uma situação que poderá converter o diálogo entre portugueses e espanhóis numa nova fase política, institucional e com múltiplas vantagens económicas, culturais e comerciais para os dois lados da fronteira, que é cada vez mais ilusória. Até porque quanto mais as instituições da UE parecem estar paralisadas, seja pela entropia global, seja pelo ambiente recessivo ao nível mundial ou ainda pela falta de elites criativas no plano europeu, mais sentido fará, no quadro da lógica do spill-over effect e da Teoria geral da integração, reforçar os laços entre comunidades de homens e de mulheres que têm inúmeros aspectos em comum e falam uma língua e comungam uma história - também ela feita de aventuras, guerras e desafios comuns. Discutir, negociar sempre e em todo o lado, mas sempre de "mão-dada", como diria o amigo e filósofo Agostinho da Silva...
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