sexta-feira

O mundo em 2ª mão, o ambiente de Feira da Ladra

Há dias imagens de tv mostraram ao país um deputado palmar dois gravadores na sequência de os jornalistas terem sugerido que o referido deputado estava envolvido em casos de pedofilia e a uma tal professora acusada de esbulhar uns largos milhares de euros à CGD; dias antes uma outra senhora deputada fez um número de circo relativamente ao subsídio de viagem - reclamando o vil metal para, no final, o dispensar e, com isso, procurar um efeito político simbólico e mediático e sair por cima e mostrar à plebe que desempenha a função por amor à camisola e não pelos bens materiais que a função e o estatuto de deputado comportam. Ninguém acreditou na sujeita, evidentemente!! Casos destes sucedem em todos os partidos, e só não conhecemos o que se passa no PCP porque lá ainda impera o estalinismo processual do silêncio que impede que informações contranatura cheguem à opinião pública. No caldas do CDS também existe uma cultura de segredo, modelada por Portas, e só se sabe aquilo que verdadeiramente projecta o partido na sociedade; no BE é só virtudes, como se sabe, aliás, Louçã quando morrer vai imediatamente para o céu sem intermediação de missa papal, e como defende o tgv desconfia-se que vá de tgv. O que aqui pretendo explicitar é que vivemos num mundo em 2ª mão, mediado pelos media, e é a eles que devemos a construção do nosso conceito de verdade. São os media que nos fornecem as experiências com base nas quais devemos pensar a realidade individual e colectiva da nossa contemporaneidade. Sendo que a maior parte de nós julga saber unicamente aquilo que os media fornecem, e é nisso que assentamos o nosso caldo de confiança e regemos as relações privadas e públicas. E uma sociedade que só conhece por via dos media torna-se numa sociedade perigosa. O mundo que nós hoje estamos a construir, independentemente de o sr. deputado ter ou não ligação efectiva à pedofilia ou de a srª deputada querer sacar mais uns euros ao erário público por conta dum círculo eleitoral pelo qual não foi eleita, não pode resultar unicamente da mediação feita pelos media, pois não podem ser eles os verdadeiros autores da verdade. Mas isto sucede porque os nossos tribunais são de papel, a efectiva verdade nunca se consegue apurar e isso remete-nos para um limbo do qual não saimos. Daí vivermos na suspeita permanente, no fio da navalha, no mundo das intrigas, das conspirações, das personagens duvidosas. Eis o mundo feira da ladra em que vivemos, de verdades construídas pelas imagens que nos querem mostrar, ainda que saibamos que essa "verdade" mostrada decorre do conjunto de funções sociais vistas enquanto valor de estabilidade, negócio, entretenimento. Se as verdadeiras instituições - como os tribunais - funcionassem efectivamente em Portugal, seriam respeitados, este tipo de situações dissolver-se-iam nas brumas da memória, as informações dos media teriam outro peso e credibilidade e o zé povinho sentir-se-ia menos enganado nas imagens que lhes vendem. Uma câmara pode retratar fielmente aquilo que grava, mas pergunto-me por que razão todos se queixam do baixo nível dos media e de como eles reflectem tão mal aquilo que julgam ser o mundo real, embora poucos se predisponham a prescindir deles... A política, a economia, a sociedade, as chamadas instâncias fundadoras da democracia pouco ou nada valem na configuração da verdade e do tempo, e isso talvez ajude a explicar por que razão recuperamos a força dos media para nos explicar que verdade queremos ver neste séc. XXI, com muito dramatismo e sensações à mistura, talvez para compensar a verdadeira autenticidade do conhecimento e da verdade que já não conseguimos construir sem ser com uma "cunha" aos media. Eis o mundo em 2ª mão em que vivemos...

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