domingo

"Sem 'golden share', risco de OPA sobre PT é fortíssimo" - discurso directo - tsf

tsf Vítor Constâncio prevê processos de concentração na banca portuguesa. Que papel terá o BES neles?
O dr. Vítor Constâncio é uma pessoa que respeito muito. Aliás, aproveito para o felicitar publicamente pela sua nomeação para vice- -governador do Banco Central Europeu. É um grande economista, mas nesse campo tenho algumas dúvidas. Em Portugal, o sector bancário está altamente concentrado, as cinco maiores instituições bancárias representam mais de 80% dos activos bancários. É um nível de concentração que é raro ver na Europa. Se houver países com uma concentração superior, é um ou dois e não mais.
Mas há sempre tentativas de crescer: há uns anos, houve uma OPA do BCP sobre o BPI, uma tentativa do BPI de conseguir a fusão…
Gostava de desenvolver a sua pergunta mais a fundo. Esta crise foi um bom exemplo daquilo que aconteceu. Quem foi mais afectado no sector financeiro pela crise? As 25 maiores instituições bancárias internacionais que cresceram muito por aquisições. As instituições maiores são as que, no fundo, podem vir a ser até mais vulne- ráveis. E é de tal maneira assim que ho-je, em termos europeus, está a pôr-se em prática uma forma de super-visão do chamado risco sistémico das grandes organizações financeiras. Uma das razões de Portugal ter passado relativamente incólume em relação a esta crise no sector financeiro foi exactamente o facto de as instituições terem a dimensão adequada. Agora, o senhor governador tem razão porque ainda temos algumas instituições muito pequenas, que vão ter muita dificuldade em sobreviver num contexto de concorrência mais intensa no domínio europeu. A crise é forte, bateu duro, a concorrência vai aumentar porque o negócio está a diminuir. É natural que em relação a bancos de dimensão média/pequena possa haver novas concentrações...
Em relação aos grandes bancos como o BCP e o BPI, acredita que não se voltará a falar de fusões?
As concentrações sempre podem acontecer, nada as impede. O que me parece é que a lógica, quer em termos de viabilidade económica, quer em termos do risco do sector bancário, não aconselha a que haja a partir de uma certa dimensão maiores concentrações. E tem de haver alguma concorrência em Portugal, que é um país pequeno. Quem ganha com a concorrência, todos sa-bem quem é: são, naturalmente, os clientes dos bancos.
Adquirir o BCP é uma coisa que está completamente fora dos horizontes do BES?
O BCP é um banco por quem temos a maior consideração, ainda é o maior banco privado português em termos de dimensão. O BES já é maior em termos de capitalização bolsista, somos o quinto da Penín-sula Ibérica e o maior em Portugal. Mas o BCP já tem uma dimensão muito grande em Portugal. E julgo que foi a dimensão do BCP que o levou a ter de sair para fora das nossas fronteiras, para países e mercados completamente diferentes, alguns até com muito pouca afinidade com o nosso país. É o caso da Polónia, da Turquia, da Grécia. O BCP hoje tem uma dimensão tal que qualquer fusão com outro banco iria provocar um esforço colossal de racionalização.
Seria um erro a fusão de um banco com o BCP?
O BCP tem praticamente mil balcões, o Banco Espírito Santo tem 700. Nós, com os nossos 700, cobrimos 95% do poder de compra em termos das municipalidades portuguesas. O BCP cobre ainda mais. Se houvesse uma fusão destas duas instituições, teríamos necessariamente de encerrar balcões e despedir pessoas. Ora, isso é tudo o que não se deve fazer nesta altura. Não só pela crise, como também pelos encargos que iria levantar, em termos dos fundos de pensões, que hoje já representam um peso considerável para o sistema bancário.
Como são as relações do BES com a Caixa Geral de Depósitos? No caso recente da Cimpor estiveram em campos opostos: o BES assessorou a CSN e o banco do Estado fez um acordo com a Votorantim...
Não teci nenhuma consideração sobre a intervenção da Caixa. Temos relações institucionais muitíssimo boas, não só na Associação Portuguesa de Bancos, mas também relações tradicionais, e temos até alguns desenvolvimentos conjugados com a Caixa, como, por exemplo, em Espanha: colocamos produtos nossos na rede espanhola da Caixa Geral de Depósitos. E temos colaborações a diversos níveis em transacções financeiras no mercado nacional e internacional. Quando a Caixa se pronunciou por um apoio a um concorrente do nosso cliente brasileiro em relação à Cimpor, nós não podemos estabelecer nenhum juízo de valor. Acredito que a Caixa fez o seu melhor, porque julgo que procurou defender os interesses dos seus clientes brasileiros, por um lado, mas também os accionistas da Cimpor, que estavam de alguma forma acolhidos, eram clientes da Caixa. Acredito que a administração da Caixa, quando teve esses parâmetros em consideração, seguiu uma via diferente da do nosso grupo em relação ao grupo de Benjamin Steinbruch, a CSN. Infelizmente, o grupo Steinbruch CSN - julgo que quis moderar a proposta que fez - não foi tão longe quanto poderia. E foi uma pena, porque perdeu uma excelente oportunidade. A Cimpor é uma empresa extraordinária.
As participações que a Caixa tem em várias empresas são necessárias, ou há um excesso de intervenção do banco do Estado?
Os bancos portugueses, todos eles, participaram nas privatizações. Se não fossem os bancos, não teria provavelmente havido sequer privatizações. E houve a Caixa, houve o BES, houve o BCP, houve o próprio BPI, que tomaram participações em organizações. Umas ficaram, alguns bancos foram saindo, e a Caixa tem tendência para ser um banco estável em termos das parcerias que faz. Não sou conhecedor a fundo da situação das parcerias da Caixa ou das participações que detém. Sei que algumas se cruzam connosco no bom sentido, como o caso da Portugal Telecom. E ela foi tão importante que no fundo, embora não fosse necessário, contribuiu para impedir a oferta pública de aquisição sobre a Portugal Telecom. A OPA foi defendida porque a Portugal Telecom, se não tivesse sido protegida nessa altura, já tinha perdido a participação da célebre Vivo no Brasil, que é uma participação estratégica tão importante para a PT e para Portugal.
O BES é o maior accionista da PT, está satisfeito com o caminho que a PT tem seguido? No Brasil, a situação da Vivo mantém-se pouco clarificada nas relações com a Telefónica, que está a estreitar relações com a Telecom Italia. Defende uma alteração de estratégia da PT?
Em relação ao Brasil, sou totalmente intransigente. A Portugal Telecom, sem a participação na Vivo, perderá uma substância enorme, uma participação estratégica para a PT e para o País que não pode ser de forma alguma perdida, tem de ser protegida. O Brasil é a grande potência económica e financeira hoje emergente no mundo ocidental, não há outra. Os portugueses estão a envolver-se muito no Brasil, e bem. Portanto, tudo o que seja proteger a Portugal Telecom e a sua participação na Vivo deve ser feito.
E isso passa por deixar a Telefónica ir para os braços da Telecom Italia?
A Telefónica é uma empresa globalizante e tem tendência para as grandes concentrações. É um grande actor planetário em termos do seu posicionamento estratégico e tem tendência para adquirir outras empresas. A PT não tem essa vocação nem dimensão, temos de ser realistas. Agora, a Telefónica resolveu, nessa ambição de crescer, juntar-se à Telecom Italia, para, no fundo, ter um posicionamento mais importante no Brasil. A Telecom Italia também está no Brasil, e estão criadas algumas indefinições que têm de ser resolvidas, quer pela autoridade de regulação brasileira quer pelo Governo italiano, e que nos ultrapassam.
Nesse caso da Telefónica e da necessidade que tem de crescer adquirindo, teme que possa existir uma OPA sobre a PT?
No dia em que a golden share deixar de existir, o risco de uma OPA sobre a PT é fortíssimo. E aí o fundamental é que os accionistas da PT, os accionistas portugueses da PT, se mantenham unidos e sólidos na sua estratégia de defesa do interesse…
E que o Estado mantenha a golden share?
A golden share, julgo que vai acabar, indiscutivelmente, porque isso hoje é contra as regras da União Europeia. O processo está a evoluir, e acredito que isso é inexorável. Agora, o Estado tem uma participação, através da Caixa, e essa participação é que é importante que se mantenha e que possa vir a reforçar-se, eventualmente com as de outros grupos portugueses.
Como é que o presidente do BES, o maior accionista da Portugal Telecom, observou a polémica à volta do negócio PT/TVI, das audições que se seguiram na Comissão de Ética e que agora vão seguir-se na Comissão de Inquérito?
Não estou directamente no conselho da PT. Temos dois administradores em 22. Portanto, temos lá dois membros do BES não executivos, e seguimos muito de perto tudo o que acontece na PT. Também devo dizer que, desde a privatização, a PT teve como ambição um dia estar ligada a uma televisão…
Conhecia o negócio?
Deixe-me falar: o que sei é o que está nos genes da PT há muitos anos. E se perguntar ao primeiro presidente, logo após a privatização, que julgo que foi o Francisco Murteira Nabo, ele é capaz de lhe confirmar isto. A PT desde sempre esteve a olhar para a televisão.
Então, mesmo com a polémica política, o negócio devia ter sido feito?
Vocês são homens dos media, sabem o que significa o TMT [tecnologia, media e telecomunicações]. O TMT hoje é um conceito que está a ser posto em prática no mundo inteiro. Portanto, a PT tinha de estar ligada a uma televisão, por maioria de razão a partir do momento em que se separou da PTM, hoje ZON. Aliás, a PT foi imediatamente desenvolver o MEO e precisa de conteúdos! Há muitos anos que a PT olha para as televisões, e devo dizer que aqui no nosso país já falou praticamente com todas! Não posso deixar de referir que para mim não é surpresa esse interesse que apareceu de repente pela TVI, uma vez que os espanhóis quiseram pôr a posição à venda. Mas o que não gostei naturalmente foi de ver a evolução que esta situação provocou. Não acompanhei o assunto directamente, mas soube muito cedo, pelos nossos administradores presentes no conselho de administração, que na discussão em que foi posta a hipótese de somar uma participação na TVI, já no final da agenda desse dia do conselho, o presidente do conselho foi determinante ao dizer que a operação não se devia fazer. Fui informado pelos nossos administradores, porque é que, naquela altura, era uma oportunidade péssima para se poder fazer isso, e se veio a configurar depois nesta situação que todos conhecem. Não conheço mais detalhes da operação.
Um dos grandes temas do debate político são os prémios atribuídos a gestores de empresas em que o Estado tem uma participação. Acha excessivos os prémios de Zeinal Bava, da PT, ou de António Mexia, da EDP?
Esta crise bateu muito forte, criou estragos nas economias de uma maneira transversal. Não só em Portugal, na Europa toda, nos Estados Unidos. Criou um desemprego nunca visto. Poderemos hoje ter a certeza de que esta foi a crise económica mais forte dos últimos cem anos, mais do que a de 1929. Todos os mercados estão em estado de choque. Este problema das participações nos lucros e dos bónus está a ser discutido em toda a parte. O nosso país é pequeno, há muito poucas grandes empresas. As pessoas que estão à frente dessas empresas têm, de facto, de ter estratégias correctas, execução correcta dessas estratégias e, ainda por cima, de procurar levar essas empresas para o mundo exterior, em concorrência com outras empresas muito maiores que pagam muito mais em relação ao que elas ganham em Portugal. Aquilo que pode parecer escandaloso em Portugal não é escandaloso em muitos outros países europeus. Mas hoje está tudo a ser contestado. Por isso, nós temos de pensar que, como esta crise foi muito má em termos do problema que criou às famílias, às pessoas, [é natural que] este problema venha à tona e esteja a ser discutido publicamente e que crie de facto problemas complicados.
O BES, por exemplo, está a estudar a redução de 5% para 2% do prémio anual que paga aos seus administradores...
O BES nunca foi, do sistema bancário, aquele que pagou mais. Nós, aliás, éramos o terceiro em termos dos níveis de pagamentos. O que aconteceu foi que, de facto, os resultados do BES foram resistentes e continuaram a crescer. De repente somos hoje no sistema bancário aqueles que pagamos mais, só porque tivemos mais resultados. Aquilo que as empresas são capazes de criar em termos de valor para os accionistas - e, no caso que estava a referir das empresas públicas, para o Estado também - tem de ser tido em conta e é comparável com as grandes organiza-ções internacionais. Compreendo a sensibilidade do problema, que é agudo e está a ser discutido em toda a parte na Europa e nos EUA. Provavelmente, vai chegar-se a uma solução de bom senso. Agora, estas remunerações que estão a ser pagas já foram aprovadas em anos anteriores, e julgo que, no caso da EDP, houve uma concentração pelo facto de a parte diferida cair também neste exercício de 2009.
Entende, então, que esses prémios deviam adequar-se melhor aos tempos que vivemos?
Temos de ter essa consciência, sem dúvida.
A tributação sobre os bónus e os prémios da banca é a partir deste Orçamento mais gravosa para quem trabalha na banca. Devia ser aplicada às empresas em que o Estado tem participações? A banca não gostou de ser discriminada negativamente.
O que acontece é que o Estado é concorrente. Nós, quando estamos no mercado, também concorremos com instituições do Estado e, portanto, o Estado, se quiser contratar os melhores elementos para as suas empresas, vai ter de ter isso em consideração. Mas é uma decisão do accionista Estado.
Estamos numa crise profunda e é preciso corrigir rapidamente o défice. Portanto, o Estado está a diminuir a intensidade do apoio à economia. Acha que é cedo de mais para travar essas ajudas do Estado à economia real?
Vou falar da situação portuguesa: nós tivemos aqui um período, de 2005 a 2008, em que o Governo fez um esforço positivo e construtivo ao trazer novamente o défice de Portugal para baixo dos 3%. O drama foi 2009, que tem que ver com uma queda abrupta da receita fiscal. É claro que a despesa pública é importantíssima e já está a ser equacionada dentro do PEC [Programa de Estabilidade e Crescimento]. Mas a receita teve uma queda abrupta e não foi o senhor ministro das Finanças que se enganou! Ele, aliás, disse: "Posso enganar-me, mas não engano ninguém." Os nossos economistas - que não são políticos - dentro do banco mantiveram aquele objectivo do défice de 2009 em 5,9% até muito tarde, eu diria até Setembro! E depois estavam de acordo que não deveria ser superior a 8%! Surpreendeu toda a gente quando vimos o défice acima dos 9%, foi terrível.
A crise explica tudo?
Explica uma boa parte. Agora, não há dúvida de que os Estados europeus foram impulsionados no aumento da despesa pública e da intervenção na economia pela própria Comissão Europeia! Não nos podemos esquecer de que a CE, no auge da crise, afirmava sistematicamente que os Estados tinham de intervir para relançar a economia. E a intervenção acabou no agravamento brutal dos défices dos países europeus. E agora, de repente, toda a gente acorda com um nível de endividamento demasiado alto, querem trazer já esse nível de endividamento até 2013 para níveis mais compatíveis. Logo, por curiosidade, os franceses disseram que só em 2014!
Acredita que, em 2013, nós atingimos os objectivos?
Já manifestei isso publicamente várias vezes, acredito muito neste ministro das Finanças. Aliás, já deu provas, de 2005 a 2008. E se ele estabeleceu um programa para estarmos em 2013 com aquele nível de défice, é porque acredita que é possível
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Obs: O que o banqueiro diz da OPA à PT é, na prática, um reconhecimento da frequeza do empresariado nacional, duma forma tal que obriga o Estado, directa ou indirectamente, a compensar supletivamente essa fraqueza mantendo a golden share - que também lhe permite ter um braço mais comprido noutras actividades económicas. É, aliás, o que hoje se passa na PT, mas o raciocínio de Ricardo Salgado Espírito Santo não se reporta apenas à ameaça dos grandes empresários internacionais à economia nacional, mas também a empresários do quilate de Belmiro de Azevedo, patrão da Sonae.