quarta-feira

Democracia à portuguesa com Rangel no Parlamento

Ao visionar ontem Rangel na comissão de ética no Parlamento - para acertar contas com o seu passado - lembrei-me do mito do paraplégico que um dia gostaria de ter uma cadeira de rodas equipada com armamento para se vingar dos males da sua condição física, genética e social. Estou convencido que se Rangel hoje dispusesse de poder aniquilava o pessoal político que lhe minou o caminho, e a seguir suicidava-se. Talvez este retrato não ande muito longe da realidade de milhares de portugueses por esse país fora, com o devido respeito que os deficientes a todos nos merecem.
Ontem o ex-director da SIC e da RTP, Emídio Rangel foi à comissão de ética da AR dizer meia tonelada de verdades. Verdades que os portugueses mais atentos do fenómeno social com relevância política estão carecas de saber. Factos que envolvem a promiscuidade de alguns media com alguns magistrados, violações graves do segredo de justiça fazendo com que os inocentes sejam incriminados na praça pública antes da justiça ter concluído o seu processo, juízes sindicalistas com agendas políticas, magistrados promotores da violação cirúrgica ao segredo de justiça para efeitos políticos, etc, etc.
Lembram-se do que sucedeu a Ferro Rodrigues??? Por contraponto, alguém hoje sabe em que ponto está o julgamento sobre a pedofilia em Portugal por referência ao caso Casa Pia? Este contraste miserável é bem o espelho da nossa miserável justiça, e depois constatamos que um sindicato e uma outra associação de juízes pretendem apresentar um processo por difamação a quem tem a coragem de falar verdade em Portugal. É o cúmulo...
F. Kafka sabia do que falava quando nos explicou O Processo... Que alguns majistrados mais idiotas deveriam ler para não fazer dos seus concidadãos parvos.
Rangel disse isso tudo e até disse que essa promiscuidade é feita nos cafés, onde alguns funcionários judiciais passam documentos a jornalistas para que estes os editem nos seus jornais e, assim, atinjam politicamente os visados. Ou seja, Rangel foi à AR dizer o que todos sabem, que a justiça em Portugal, além de ser uma autentica bandalheira, está fortemente politizada, e isso é nocivo para a democracia, para a economia e o mundo empresarial, para os cidadãos que vêem adiadas a resolução das suas causas. É mau para todos os operadores da sociedade, e até para os potenciais investidores estrangeiros que pretendam investir no nosso país até se aperceberem do que é a justiça no burgo, além da burocracia e da carga fiscal, outros dois handicaps.
No fundo, Rangel foi ajustar contas com o passado ao Parlamento. E o mais triste é que nada do que disse teria sido dito se hoje Rangel ainda estivesse montado na direcção da RTP ganhando os seus milhares por mês. Foi como ex-jornalista mas discursou e esgrimiu como político, e nessa trajectória tentou abater quem tentou aniquilá-lo politicamente no passado recente, sob o chapéu do governo Barroso. Elencou os seus carrascos: a tutela, na pessoa de Morais Sarmento, o gestor "corta-cabeças" de serviços, Almerindo Marques, que me evoca a figura do estivador da década de 40 da velha Lisboa, que tinha por missão emagrecer a RTP, sendo que Rangel foi logo a primeira vítima, apesar da indemnização ser choruda.
Mas o que resultou das palavras de Rangel, mediante uma leitura mais fina, permite-nos compreender que o Político é a vítima mais gritante da nossa débil democracia, hoje progressivamente escavacada pela mediocridade da nossa justiça e dos nossos juízes e majistrados, pela falta de cultura política e científica de grande parte dos nossos jornalistas, sempre muito dependentes dos lugares de assessores e, por isso, vendáveis ao ministro A, B e C. O que faz de alguns deles verdadeiros mercenários contra os políticos que os rejeitaram. E é este caldo de cultura hiper-conflitual – de políticos, de juízes e de jornalistas – que chegámos à inquietação geral em que nos encontramos, angustiados pelos media, pelo juízes e até pela dúvida e incerteza de alguns políticos.
Isto não significa que não tenhamos opinião inteligente e sagaz, sobretudo na melhor blogosfera que diariamente – e de forma gratuita – vai alimentando essa fábrica da compreensão desses fenómenos políticos, embora ninguém é neutral nestas novas guerras, pois todos tomam o seu partido. E até é lícito que o façam, desde que não o ocultem.
É, pois, assim que vejo a aparição de Emídio Rangel no Parlamento: um sinal da ruína da nossa democracia, mas, pior ainda, um sinal da degenerescência e degradação do nosso aparelho de justiça, completamente indiferente à sua missão primeira – que é fazer boa e célere justiça, em vez de andar a arrastar-se no caixote do lixo do Palácio de Belém pedindo audiências ao PR que ficará célebre na história da nossa democracia como um actor político com sinal ambivalente e contraditório.
Já que Cavaco tem uma face positiva, associada ao papel de PM que mais e melhor modernizou e desenvolveu Portugal através dos milhões dos fundos comunitários da então CEE, criando até um lastro que alavancou uma verdadeira classe média em Portugal, que depois com Guterres se converteu numa multidão consumidora que se endividou; e depois um Cavaco presidencial que para ajudar Ferreira Leite a ganhar as últimas eleições legislativas inventou a cilada mais estúpida do pós-25 de Abril com o fito de abater politicamente Sócrates – baseando essa narrativa desesperada no alegado facto de que o PM em funções tinha interesse em expiar os desinteressantes diálogos-monologados que Cavaco tem com os seus assessores que, por sua vez, pautaram a sua praxis politica com fugas selectivas de informação para o jornal Público, então dirigido por um jornalista faccioso e sectário no modo como produzia as manchetes e os editoriais e, curiosamente, era empregado do empresário do Norte que além de chamar "ditador" a Cavaco (porque lhe despediu ex-ministros amigos), também viu a sua OPA falhada à PT de que o Estado ainda detém uma Golden share. É isto a democracia à portuguesa…
Estão todos comprometidos, estão todos atados. E um país-político assim é, obviamente, um país paralisado.

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