domingo

Três homens e um problema - por João Marcelino -

dn. 1Em meados de Janeiro, Manuel Alegre fez um anúncio fora de tempo num jantar em Portimão: "O que venho aqui anunciar-vos - disse ele a apoiantes - é que estou disponível para esse combate" [o da candidatura a Belém].
Passaram três meses. Houve uma ou outra entrevista. Seguiram-se alguns incómodos e incomodados silêncios. Mário Soares colocou a mão por baixo ao inesperado avanço de um médico humanista que recolhe simpatias em muitos quadrantes, Fernando Nobre. E este, apesar de monárquico, de acreditar em óvnis e de defender a reintegração de Olivença no território português, mesmo assim foi capaz de colocar em xeque (dentro do Bloco de Esquerda) o apoio de Francisco Louçã a Manuel Alegre e de dar a José Sócrates o pretexto para fazer tardar ainda mais a decisão do PS.
A nove meses das eleições, PSD e CDS têm candidato, natural e anunciado: Cavaco Silva. O Bloco manterá, com mais ou menos polémica, a escolha de Alegre. O PCP provavelmente decidirá o mesmo de sempre: nomear um militante para encher os tempos de antena com as mensagens do partido (fala-se desta vez em Carlos Carvalhas). Falta, portanto, entre os grandes partidos, o PS decidir-se.
Não vai ser fácil para o secretário-geral do PS e primeiro-ministro.
2 É preciso não esquecer o seguinte: quando José Sócrates precisou de Mário Soares, o "pai da Pátria" nunca lhe faltou. Primeiro, foi candidato a Belém (prejudicado pela decisão de Manuel Alegre de concorrer também em 2005); depois, respondeu à chamada na última e difícil campanha das legislativas; e por várias vezes, em momentos pessoalmente delicados para José Sócrates (Freeport, processo PT/TVI, etc.), Mário Soares teve sempre uma palavra de apoio, incentivo e defesa do seu carácter e honorabilidade. São atitudes politicamente relevantes e pessoalmente inesquecíveis.
Nesses mesmos quatro anos de dificuldades para José Sócrates, ao contrário, Manuel Alegre colocou-se sempre a uma razoável distância pessoal e a uma considerável distância política. Chegou, como se sabe, a considerar a formação de um movimento ou mesmo um partido, deixando implícita a possibilidade de sair do PS. Se Soares foi discreto na crítica pública ao Executivo ("devia governar um pouco mais à esquerda", chegou a dizer), Alegre foi brutal em algumas ocasiões e furou mesmo a disciplina do grupo parlamentar votando sempre de acordo com as suas ideias e interesses.
Tudo isto são factos.
3 A presente conjuntura impõe, em matéria de presidenciais, constrangimentos e dificuldades a todos estes três protagonistas.
Manuel Alegre foi tão determinado em estabelecer pontes para fora do PS que se "esqueceu" do próprio partido. Não acautelou o apoio do eleitorado moderado, que tem votado PS mas também pode votar PSD. Que votou Soares e Sampaio mas também ajudou a eleger Cavaco. E com isso, numa reflexão final, pode entender não ter condições para concretizar o seu objectivo: vencer o actual Presidente. Seria frustrante.
Mário Soares não pode ser demasiado explícito na aposta em Fernando Nobre - e não o tem sido, exercitando com habilidade a sua superior capacidade de influência. Mas, faça o que fizer, com este trunfo só poderá vingar-se do ex-amigo Alegre; nunca conseguirá contribuir para vencer Cavaco Silva. É incómodo.
José Sócrates estará, simultaneamente, na melhor e na pior das posições. Para já, não tem de soçobrar no imediato perante a estratégia desafiadora de Alegre - é a parte positiva para ele. Mas no futuro próximo, num cenário de manutenção das alternativas actuais, vai ter de escolher entre desagradar a Soares ou a uma parte significativa do PS. Mas se, num cenário improvável, viesse a determinar a liberdade de voto (entre Alegre e Nobre), estaria implicitamente a facilitar a recondução do actual Presidente, se não mesmo a confessar uma ainda mais perversa preferência… Não é fácil.
Alegre, Soares e Sócrates têm, assim, um problema comum a resolver e uma resposta para dar: preferem perder para Cavaco ou consensualizarem uma alternativa capaz de ganhar? E poderá ainda Alegre ser esta alternativa?
Pedro Passos Coelho conseguiu em 15 dias estabelecer pontes entre as diversas sensibilidades do PSD. Bastou bom senso, sentido das responsabilidades e tacto político. Todas as qualidades que Manuela Ferreira Leite e os seus spin doctors manifestamente nunca tiveram.
Obs: Digamos que não basta a poesia para converter um deputado "papa-léguas" com um passado anti-fascista para atingir os píncaros de Belém, pelo que Alegre é, ou pode ser, um elemento mais divisor do que um construtor de apoios para o PS ter um candidato a Belém. Quanto a PPC é uma jovem promessa do PSD que revela uma grande capacidade de comunicação, veremos como vai apresentando as suas propostas e como correm as coisas no Parlamento, nos media e na sociedade em geral. Sócrates terá, doravante, um candidato ao poder com características muito idênticas às suas, daí o interesse em avaliar como se irão defrontar.