sábado

O PS, a ideologia e as políticas - por J. Marcelino -

1. A taxação bolsista (certa para os pequenos accionistas…) não iria avançar de imediato. Ficava à espera de um mercado mais serenado. Agora, de repente, ela aí está na agenda política!
O projecto do medicamento à dose ia ser abandonado, disse a ministra. Esta semana, Ana Jorge foi chamada a São Bento e, afinal, o programa do Governo é para cumprir.
O ministro da Economia, Vieira da Silva, coloca em dúvida as subidas nos preços dos combustíveis e logo José Sócrates elogia a actividade da autoridade reguladora.
Os casos sucedem-se e há quem veja, nestes e outros casos, um sinal de descontrolo do Governo e de falta de coordenação da acção política. Juntando-lhe a indefinição no que respeita ao apoio, ou não, à candidatura de Manuel Alegre à Presidência da República, há quem fale em divergências profundas no interior do partido do Governo e antecipe a chegada precoce de cenários de fim de ciclo.
Pode ser que sim, que seja um pouco de tudo isso, mas há, sobretudo, uma falta de adaptação do Governo à vida política sem maioria absoluta.
Encravado entre a esquerda de Louçã e a emergência de um PSD mais liberal (que também agride as propostas recentes de Paulo Portas), o PS de Sócrates começa a navegar à vista. Uns dias sente a pulsão de esquerda e apetece-lhe apoiar Alegre, exorcizar os ordenados de alguns gestores públicos, ajudar os pobrezinhos. Noutros dias olha de soslaio para a direita e dá-lhe uma enorme vontade de reconstruir a classe média, que aos poucos ajudou a matar.
Mais do que o fim de ciclo, que inevitavelmente chegará para Sócrates como para qualquer decisor político, parece- -me que finalmente o PS, com a definição muito precisa do pensamento nas alas, começa a sofrer algum desgaste ao nível da estratégia.
2. Durante cerca de 15 anos, depois do fim do cavaquismo, o PS liderou o chamado bloco central de interesses. Primeiro, Guterres, depois, Sócrates. Pelo meio apenas Barroso, e por pouco tempo, também porque o PSD se apagou ideologicamente. Sentou-se a gerir os seus interesses e concentrou-se, no curto período de poder, no combate ao défice criado por todo este país macrocéfalo e estatizado concebido por ambos os partidos.
Quem passou a mandar avançar o betão, a nomear os gestores públicos e não só, a influenciar as decisões das empresas privadas necessitadas de financiamento bancário e a dominar o que se convencionou chamar de tráfico de influências passou a ser o PS. Durante alguns anos, governar passou a ser sinónimo de escolher, nomear, premiar, castigar.
Ora governar, nos países civilizados, é muito mais do que essa simples escolha de pessoas que qualquer político menor é capaz de durante um certo tempo promover, sozinho ou em conluio com os seus. Governar é fazer escolhas em políticas e modelos de desenvolvimento. Governar é ser coerente com ideias e projectos, e não apenas fazer distribuição de lugares.
3. É por isso que o PS hesita. As ideias que tinha (ambiente, desburocratização, reforma na administração pública) foram gastas durante estes anos. O partido começa a descobrir que mandar não é uma receita eterna.
Nas sociedades evoluídas, manda-se depois de os pensadores terminarem o seu trabalho, e há que voltar a eles quando a matéria-prima das ideias escasseia. Na política, como nas infra-estruturas, os engenheiros servem os arquitectos. Quem se esgota a fazer, tarde ou cedo esbarra na falta de ideias e de caminhos. Posso estar enganado, mas é aí, a essa zona, que o PS começa a chegar e com uma sobrecarga: é um partido demasiado abrangente. Entre Alegre e Guterres há todo um mundo de contradições, de desejos antagónicos, de crenças distintas.
A definição do que será o PS daqui a uns anos vai começar agora, da dose individual no medicamento à taxação das mais-valias bolsistas, da visão sobre a saúde e o ensino à transparência nas empresas públicas e aos ordenados que estão na órbita do Estado. Com uma dificuldade acrescida: o PS não tem tempo porque está a mandar. E, como diz o povo, sábio, enquanto se governa não se assobia. É um problema.
Miguel Macedo estreou-se como líder parlamentar do PSD. Nota muito fraca. Vai ter de aprender bastante para se bater com Sócrates ao nível do que fizeram Rangel e Aguiar-Branco. Um problema para Passos Coelho, que, ao contrário de Manuela Ferreira Leite, e por causa dela, não está na Assembleia…
Obs: Divulgue-se.