sexta-feira

A revisão de novo - por António Vitorino -

Nestes trinta e quatro anos de vigência da Constituição de 1976 houve sete revisões constitucionais, de desigual extensão e profundidade.
Muitos vêem nesta sucessão de revisões um sinal de fragilidade do nosso regime constitucional. Não os acompanho, contudo. As revisões, independentemente do que se pense sobre o conteúdo concreto de cada uma delas, mostraram uma Lei Fundamental viva e com a capacidade de ser adaptada às transformações da sociedade e do Estado ao longo do tempo. Logo, entre nós, rever a Constituição ou não rever a Constituição não tem sido nem deve ser considerado um dogma.
Em boa verdade, desde 1989 para cá, não se pode imputar à nossa Lei Fundamental um papel de "força de bloqueio" da evolução do nosso sistema político ou da nossa vida económica e social. Em muitos casos, tal ficou a dever-se aos méritos da interpretação feita pelo Tribunal Constitucional, cujo diálogo com o texto da Lei Fundamental tem impedido a reedição da "querela constitucional" dos anos setenta e oitenta. Excepção feita, claro está, à sempre insatisfeita vontade do presidente do Governo Regional da Madeira, que tem sido o arauto de uma rotura do regime constitucional.
Dito isto, um novo processo de revisão constitucional pode naturalmente ter lugar nesta legislatura, não sendo essencial sequer saber se pode ou não pode iniciar-se antes das eleições presidenciais, dado que, mesmo que a apresentação de um projecto de revisão anteceda essas eleições, o seu debate e votação levarão sempre pelo menos um ano até à conclusão.
Mais importante será antes saber que objectivos se propõem os partidos alcançar com nova revisão constitucional.
Na sequência das últimas eleições legislativas surgiram algumas vozes defendendo uma reforma do sistema político que se traduzisse num reforço dos poderes do presidente da República em nome da governabilidade do País. Se esse fosse o desiderato pretendido, então seria curial que o novo presidente fosse eleito sabendo já quais os poderes que seria chamado a exercer para futuro. E que a escolha dos eleitores pudesse ser feita com esse relevante dado já disponível.
Não parece, contudo, ser essa a intenção da generalidade das forças políticas com assento parlamentar, muito em especial aquelas que podem contribuir para a maioria qualificada de dois terços necessária à aprovação de qualquer alteração à nossa Lei Fundamental. E em abono da verdade também não parece ser essa a intenção do actual Presidente da República que em 2006 se manifestou concordante com o actual quadro de poderes do Chefe do Estado e que, durante este seu mandato, nunca colocou a ampliação desses seus poderes como questão política a cuidar em futura revisão constitucional.
Logo, se parece que o essencial da revisão não se jogará nos grandes equilíbrios institucionais, importa que os partidos que preconizam uma reforma constitucional identifiquem com precisão que pontos em concreto da Lei Fundamental pretendem ver alterados e em que medida é que essas alterações são necessárias e indispensáveis para o País.
Do Congresso do PSD emergiram alguns objectivos, embora ainda formulados de forma vaga. Decerto que nas próximas semanas saberemos mais pormenores para melhor ajuizarmos do fundamento da prioridade que o novo líder do PSD atribuiu ao tema.
E, se a razão desta premência assenta na alteração das regras eleitorais para a Assembleia da República e para os órgãos das autarquias, convém então não esquecer que a revisão de 1997 abriu as portas a tais alterações, portas que só não foram franqueadas por falta de vontade política dos protagonistas parlamentares e não propriamente por responsabilidade da Lei Fundamental. É que é sempre mais fácil fazer uma norma constitucional aberta do que uma lei detalhada e preceptiva apoiado por dois terços dos deputados!
Obs: PPCoelho deseja coadjuvar a sua liderança começando por rever aquilo que o país menos precisa: a revisão da CRP. Não se compreende este arranque pela urgência da revisão constitucional, salvo se supor que por via "administrativa" pretende começar a conquistar o país real. Talvez seja um erro de percepção de PPCoelho, mas do que Portugal realmente precisa é de mais crescimento, mais atracção de investimento directo estrangeiro, mais produtividade e melhor competitividade na nossa economia e sociedade e, já agora, também mais justiça social social e valorização do valor do mérito.
É para o conjunto destes problemas, dificuldades e desafios que o PSD de PPC terá de estruturar a sua actuação estratégica, e não como fez, centrar a sua opção pela revisão da CRP que, de resto até conhece mal pela forma como quer privatizar tudo, à moda dos liberais cujos resultados a selvajaria do neoliberalismo do Consenso de Washington já deu provas.
Ou seja, as consequências imediatas duma revisão da CRP made in PPCoelho implicariam amputações significativas (na educação e na saúde) no Estado social defendido e promovido pelo governo em funções, e isso, como já foi afirmado pelo PM no Parlamento, não é aceitável como base de negociação para essa putativa revisão da CRP.
Mesmo não funcionando como desejaríamos, nem quero pensar como seriam esses serviços - Educação e Saúde - privatizados à moda de PPCoelho e do liberalismo que defende - que parece nem sequer ter compreendido a lição que veio do outro lado do Atlântico pela mão persistente e justicialista de Barack Obama.
De facto, o pupilo PPCoelho, que já se licenciou muito tarde, revela-se aqui um homem de vistas curtas e desacertado com as lições da história do seu tempo e da sua circunstância.
Talvez fosse de utilidade oferecer uma Constituição anotada a PPCoelho, garantia de que assim cometerá menos gaffes.

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