sábado

A necessidade de regulamentação das redes sociais

Público
Mostramos fotografias, comentamos os perfis ou os twitts dos nossos amigos, mantemo-nos, se assim o quisermos, em contacto diário com uma rede mais ou menos alargada de pessoas. Mas quando toca a desabafar mágoas do emprego, do chefe autoritário ou do colega implicativo, usar as redes sociais não tem a mesma inocência de uma conversa de café. Em última instância, podem arruinar a reputação de uma empresa ou custar o emprego ao trabalhador que deu um passo em falso.
Enquanto nos Estados Unidos uma sucessão de polémicas (ver caixa) tem levado muitas empresas a inscrever nos seus códigos de conduta regras sobre a utilização dessas ferramentas pelos empregados, as empresas portuguesas mantêm-se alheadas destes mecanismos preventivos. A TAP não é excepção, mesmo depois de ter protagonizado o primeiro caso polémico com as redes sociais. Em Janeiro, a transportadora viu aquilo que poderia ser um mero desabafo de um piloto no Facebook dar origem a uma troca de comentários violentos com outros colegas de trabalho. Um dos superiores visados deu entrada com um processo-crime por difamação.
"As empresas ainda são surpreendidas com determinados comportamentos dos seus empregados nas redes e não têm a certeza sobre a melhor forma de lidar com elas", diz António Monteiro, porta-voz da companhia aérea portuguesa. Esta "realidade nova" precisa de ser assimilada pela empresa e pelos colaboradores, mas, para já, a TAP diz não sentir necessidade de criar regras específicas de utilização das redes.
Do mesmo modo, a Coca-Cola Portugal "deixa ao bom senso dos colaboradores a utilização que fazem das redes sociais", revela o director de relações externas, Tiago Santos Lima. O código de conduta da empresa não tem regras específicas neste domínio, quer a nível nacional, quer internacional.
Mas quando se trata de usar as redes para divulgar a imagem da marca, a questão muda de figura. A Coca-Cola tem mais de cinco milhões de fãs no Facebook a nível internacional, ou seja, cerca de metade da população portuguesa. A TAP marca presença nessa rede e no Twitter (uma espécie de miniblogue e rede social), através das quais divulga produtos e promoções. Outras tantas empresas, em Portugal e lá fora, usam já as redes sociais para recrutar ou procurar informações sobre candidatos a empregos. Mas, quando se trata de regular a relação dos próprios trabalhadores com as redes sociais, as mudanças têm sido mais lentas.
Dentro da lei
"É fundamental que as empresas adoptem códigos de conduta que estabeleçam regras específicas e os limites dos trabalhadores na utilização das redes sociais", defende o advogado Laborinho Lúcio, em entrevista ao PÚBLICO. Não se trata aqui de limitar a liberdade de expressão, mas sim encontrar um equilíbrio entre esta e os deveres perante a entidade patronal inscritos no Código do Trabalho, como o dever de lealdade, confidencialidade e urbanidade. Deveres que, uma vez infringidos, podem levar ao despedimento.
"As redes sociais não são um mundo sem leis", alerta o advogado, garantindo que a legislação actual permite punir acções levadas a cabo através das redes sociais. Os crimes contra a honra (difamação, injúria e ofensa a pessoa colectiva) são os mais comuns e custam penas de prisão e multas, que podem ser agravadas em um terço por usarem meios de grande abrangência como as redes sociais.
À semelhança das outras empresas contactadas pelo PÚBLICO, a Caixa Geral de Depósitos não tem regras específicas de utilização das redes sociais pelos funcionários. "Não há necessidade de fazer um código específico quando há um que abrange toda a conduta do colaborador e que vigora, em certos aspectos, mesmo quando os trabalhadores deixam de ter vínculo à instituição", diz fonte oficial do banco.
Já no caso da RTP, não há um código de conduta mas o director de informação, José Alberto Carvalho distribuiu pela redacção um conjunto de recomendações no final do ano passado, apelando ao bom senso dos jornalistas na manifestação de opiniões em redes sociais, nos blogues ou no Twitter ligadas a temas tratados na televisão.
"Isto surgiu depois de meia dúzia de situações que poderiam ser conflituosas para a empresa, como o caso de um jornalista que estava a cobrir um assunto controverso e depois, no seu blogue, tomava partido por uma das partes", revela José Alberto Carvalho. No mesmo dia em que fez as recomendações, o director de informação da RTP criou uma página pessoal no Facebook para mostrar que não é contra as redes sociais.
Vigiar as redes
Para João Laborinho Lúcio, a existência de códigos de conduta que estabelecem as obrigações do trabalhador quanto à utilização das redes sociais dá mais segurança à entidade patronal, permitindo que, em caso de violação daqueles deveres, esta inicie mais rapidamente um processo disciplinar, que pode chegar ao despedimento com justa causa.
Além disso, destaca o advogado, "as empresas devem assumir uma vigilância activa em relação à sua reputação e uso da marca nas redes sociais". A Kodak, por exemplo, dá liberdade aos seus trabalhadores mas, sempre que estes publicam uma opinião em rede, obriga-os a colocar um disclaimer para especificar que a sua opinião é individual e não da empresa. Já a Coca-Cola inverteu as regras do jogo e, em vez de vigiar os empregados, pediu-lhes que se tornem "olheiros" e estejam atentos à divulgação de informações prejudiciais para a empresa.
Parece excessivo? A novidade e dimensão do fenómeno ainda não permite responder de forma clara. "Hoje em dia, é arriscado dizer-se que não estamos numa rede social", avisa Milene Melo, directora da empresa de pesquisa We Find. Que o diga John Sawers, que, antes de tomar posse como chefe dos serviços secretos britânicos, teve uma foto sua em calções de banho publicada no Facebook da mulher, além de detalhes comprometedores sobre o sítio onde viviam e amigos.