terça-feira

Notas Soltas de António Vitorino -

Durante meia dúzia de anos António Vitorino assegurou um espaço de análise social, política e económica em horário nobre na RTP. Sem teatralizações nem picodramas, nem constituindo-se num sujeito-objecto de si mesmo, fez com excepcional segurança o retrato dos comportamentos políticos do Portugal actual. Avultando, em cada articulação, a dimensão do jurista, do expert em direito comunitário, direito público, ciência política, psicologia e uma tremenda segurança e cultura nos assuntos económicos e financeiros com que as sociedades se confrontam. Todas estas valências juntas numa só pessoa fazem de Vitorino uma cabeça com hélices que nos ajudam a compreender as movimentações dos grandes agregados - ao mesmo tempo aprazível e difícil de seguir.
Portanto, a sua emergência no espaço analítico televisivo, mostrou que se a tv privilegia um certo número de fast-thinkers que propõem fast-food cultural, outros há que são capazes de pensar em condições em que ninguém continua a pensar, e para isso é necessário ser-se, antes de mais, um pensador de tipo particular, antes de ser jurista, ex-governante ou docente. Pela qualidade fina da sua análise, além de "jogar" sempre limpo, mesmo com os seus adversários políticos (porque a neutralidade pura não existe!!) - fica.
Outra das grandes vantagens de AV é que nunca apresentou livros, poupando, assim, os seus telespectadores à dor de supor onde é que ele teria tempo para os ler. E a pior coisa que um analista deve deixar perpassar é que é um fingidor, um prestidigitador.
António Vitorino é, afinal, um criador de factos-analíticos com dimensão, espessura e valor cultural.
E isso é saudável não apenas para a eficiente interpretação dos materiais sociais que se vão gerando entre nós, na Europa e no mundo, mas também representa uma "vitamina" para a nossa (mui débil) democracia que actualmente está sequestrada por uma certa mediacracia.
Aqui o pensámos, meditámos e equacionámos no decurso desse tempo, que é, como diria Sto Agostinho, o espaço onde as coisas acontecem. Por esse legado intelectual também lhe estamos gratos.
Fica.

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