segunda-feira

A lógica do capitalismo e o simbolismo dos 20 anos da queda do Muro de Berlim

Mais importante do que olhar para o mundo através do postigo da queda do Muro de Berlim, é ver em que medida se fazem as contracções cíclicas que integram o capitalismo, com ou sem Muro de Berlim. Perante a contracção da economia mundial, a resposta está em criar uma nova procura global efectiva, por forma a aumentar o rendimento que se direcciona para uma parte do segmento da população mundial que antes não a recebia e que, com esses rendimentos suplementares, pode comprar produtos que não podia comprar antes.
É óbvio que a liberdade resultante do abatimento da queda do Muro e de todas as fronteiras do centro e leste europeu, vieram potenciar as relações de mercado que dantes eram fixadas administrativamente, como quem administra um plano quinquenal ao estilo de Stalin quando vigorava a economia centralizada dos planos quinquenais.
Ora, com esse aumento do poder de compra global, os salários tendem a aumentar, implicando a compressão dos lucros o que, por seu turno, obriga a integrar mais elementos no mercado de trabalho recebendo salários muito baixos, que se deslocam das áreas rurais para os perímetros urbanos. Estas pessoas aceitam salários baixos porque, apesar de tudo, ficam melhor do que estavam. Contudo, estes "desruralizados", com o tempo urbanizam-se, adquirem novos hábitos de consumo e padrões de vida e querem, naturalmente, viver como a classe média urbana, gozar do mesmo nível de vida, o que implica comprar os mesmos carros, adquirir as mesmas casas, roupas, viagens e serviços, desenvolver o mesmo estilo de vida ocidental hiperconsumista.
Alguns sindicalizam-se já sem medo de ir parar à cadeia e reclamam cada vez remunerações mais elevadas na roda dentada do capitalismo, que comanda tudo. A liberdade política e económica, o acesso a bens de consumo, a liberdade de expressão integram activos que a queda do Muro de Berlim trouxe ao Centro e Leste europeu, mas o sentido da história continua a depender da capacidade de iniciativa e de humanização do sistema capitalista à escala global, dependente que está da evolução tecnológica que também reduz o número de pessoas integráveis no mercado de trabalho global - o qual implica cada vez mais investimentos em formação e qualificação, ao mesmo tempo que aumenta o número de excluídos e de marginalizados do sistema. É, pois, um pau de gumes...
Se balanço podemos fazer destes 20 anos após a queda do Muro de Berlim é, seguramente, o de que a resposta criada aos desatinos da economia mundial tem sido encontrada entre algum socialismo de intervenção estatal, compensando os mais fracos no sistema, embora mitigado com dispositivos criados pelo capitalismo - que também se preocupou com a protecção social, a saúde e educação - cujo financiamento parecia assegurado desde que houvesse um crescimento económico continuado e desde que a evolução da demografia permitisse que uma população activa em crescimento pudesse sustentar, sem grandes dificuldades, a parte dependente da população: os jovens desempregados e os idosos, hoje em grande número, por isso rebentam pelas costuras os orçamentos disponíveis na Segurança social.
Tudo isto é feito através do mecanismo de transferência entre gerações, só que este mecanismo não depende tanto da liberdade ou da democracia, mas da "tal" procura crescente do mercado global (hoje inexistente, daí a recessão mundial) que faz mexer a economia, o emprego, os salários, as exportações e a evolução na populaão activa que, hoje, por razões demográficas e por razões de oferta de emprego e falta de confiança e de investimento na economia global, torna impossível prolongar em termos estruturais o funcionamento desses dispositivos de protecção social com as configurações que hoje são necessárias e a que, em boa medida, esta comemoração dos 20 anos da queda do Muro de Berlim, embora com peso simbólico, é práticamente alheia.
Mas o homem vive de datas e de simbolismos. Senão tiver a certeza de que resolve algum problema sério da economia mundial, cujas consequências e riscos hoje todos sentimos no nosso quotidiano, pelo menos ele perceberá que já passaram 20 anos após a queda do Muro de Berlim, tem mais cabelos brancos e sempre poderá comemorar a sua própria sobrevivência, ainda que sobre os escombros dos novos pobres e dependentes que a economia global desregulada entretanto criou e está jogando para as margens da sociedade global.
É como se pela dissolução da queda de um Muro o Homem novo erguesse um outro, hoje mais dependente da economia do que da democracia - que tanto lutou para depor as ditaduras do Centro e Leste europeu - que hoje comemoram 20 anos de liberdade.

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