quarta-feira

Freiras e monges tibetanos viram-se para a ciência

As freiras e monges tibetanos passam a vida a estudar o mundo interior da mente e não o mundo físico da matéria. Nesta Primavera, porém, um grupo de 91 religiosos dedicou-se durante um mês ao mundo corpóreo da ciência. Em vez de mergulharem nos textos budistas sobre o karma e o vazio da mente, os religiosos estudaram a lei do movimento acelerado, de Galileu, os cromossomas, os neurónios e o Big Bang, entre outros tópicos de largo alcance.
Muitos dos participantes, com idades dos 20 aos 40, nunca aprenderam Ciências nem Matemática. Nos mosteiros budistas tibetanos, as matérias de ensino ficaram inalteradas durante séculos.
Para agravar ainda mais o desafio, alguns religiosos são pouco fluentes em língua inglesa e tiveram de confiar em tradutores tibetanos para absorverem os ensinamentos do curso acelerado de quatro semanas de Física, Biologia, Neurociências, Matemática e Lógica, ministrado por professores da Emory University de Atlanta.
Mas os religiosos puseram em prática as palestras intensivas. Num campus universitário budista em Daramsala, pátria de exílio do Dalai Lama no Norte da União Indiana, monges e freiras de hábitos encarnados fizeram experiências com pêndulos, colheram no sopé dos Himalaias plantas que revelam a selecção natural e curvaram as cabeças rapadas sobre microscópios para espreitarem o mundo invisível.
A Emory Tibet Science Initiative, em que se inseriu esta sessão, já vai no segundo ano. Foi precedida pelo programa "Ciência para monges" que começou em 2001 com o apoio de Bobby Sager, um filantropo de Boston. Por ordem do Dalai Lama, o programa anterior trouxe professores de Ciências de várias universidades americanas para ensinarem os monges tibetanos na Índia.
O programa evoluiu, transformando-se no plano apoiado pela Universidade de Emory, destinado a introduzir as ciências modernas nos mosteiros tibetanos da Índia nos próximos anos, com o apoio da biblioteca de obras e arquivos do Tibete. A iniciativa de Emory deu origem a um manual de Ciências em tibetano e inglês. As conferências sobre tradução produziram um glossário de Ciências que introduz no léxico tibetano palavras como electromagnetismo, alterações climáticas e clonagem.
O programa original, "Ciência para monges" deu lugar a um programa anual de Verão sobre Liderança científica para estudantes avançados, que são todos geshes, o equivalente monástico a doutorado. Este ano culminou na 1.a "feira da Ciência" realizada aqui, entre 22 e 24 de Junho. Nela, os monges fizeram apresentações sobre ondas sonoras, as origens do Universo e o funcionamento do cérebro.
A universidade Emory concebeu o curso de Verão como um programa de cinco anos, com aulas que se tornarão cada vez mais avançadas nos anos seguintes, para os estudantes que regressarem.
Desde 2002, um terceiro programa - "Encontro da Ciência com Dharma" - já enviou licenciados europeus a ensinar cursos básicos de Ciências nos mosteiros tibetanos da Índia. Os monges que se inscreverem nos programas intensivos de Ciências já terão tido alguns anos de formação científica.
Alunos sofisticados O modo de ensino de Ciências nos mosteiros ainda está em estudo. Os professores ocidentais irão ensinar os religiosos durante períodos prolongados, mas serão recrutados localmente professores laicos para leccionarem nos mosteiros durante todo o ano. O ensino de Ciências já existe no sistema escolar tibetano no exílio, que ensina 28 mil crianças e jovens adultos na União Indiana, no Nepal e no Butão.
De momento, são precisos professores universitários para o curso de Verão de Ciências. Os monges e freiras podem não ter formação científica de base, mas são altamente qualificados em disciplinas como a Filosofia.
"São alunos adultos sofisticados", diz Mark Risjord, professor de Filosofia de Emory, que deu aulas de Matemática e Lógica no Verão passado. Durante o seu bloco de aulas, que durou uma semana, alguns monges mais curiosos instigaram-no a ensinar-lhes um método para "criar regras dedutivamente válidas" e perguntaram-lhe se diferentes premissas podem levar à mesma conclusão.
Embora os livros sagrados budistas contenham a sua própria explicação da Natureza, da mente e do mundo físico, os estudantes não ficaram intimidados com as aparentes contradições entre o budismo e as ciências ocidentais.
"Há contradições no seio da própria filosofia budista", comentou Lobsang Gompo, um monge de 27 anos do mosteiro Drepung no sul da Índia. Os budistas tibetanos já estão habituados a analisar segundo vários pontos de vista, disse.
A confiança de Dalai Lama na "investigação crítica" significa que "se a análise científica vier a demonstrar conclusivamente a falsidade de certos princípios do Budismo, então teremos de aceitar os resultados científicos e abandonar esses princípios", escreve em "The Universe in a Single Atom".
Lhadron, a freira, acrescenta: "Os budistas acreditam na realidade, e não apenas no que diz este ou aquele texto."
Os religiosos tibetanos não são os únicos a sair enriquecidos do programa. Há um interesse crescente no Ocidente pelas relações entre a mente e o corpo. Por exemplo, pelos efeitos físicos da meditação.
Neste Verão, um novo programa de Emory para universitários levou a Daramsala 14 estudantes, a maioria de Medicina, para estudarem o pensamento budista e a medicina tibetana. O programa também alarga os horizontes dos professores ocidentais de Ciências, tanto pelo ensino transversal das diferentes culturas, como pelo olhar para a ciência através da ética e valores do Budismo.
Para Arri Eisen, professor de Biologia de Emory, ensinar os monges e freiras ajudou-o a saber "como pensar positivamente. A educação ocidental não favorece a empatia".
As ciências podem estar muito avançadas no Ocidente, mas existe um vazio moral, diz Bryce Johnson, engenheiro do ambiente que coordena o programa "Ciência para monges". "Algo se perdeu no Ocidente", diz Johnson. O encontro da ciência com o budismo é "um intercâmbio saudável, também para os cientistas".
Exclusivo i, The New York Times
Obs: Como alternativa à vida doméstica da confecção do bacalhau espiritual e das mamadinhas ao netinho inste-se a srª Ferreira Leite a integrar as freiras tibetanas para fazer umas sessões espirituais e conhecer melhor o pequeno espaço do seu modesto cérebro.