quinta-feira

O Estado social do PS de Sócrates

É sabido que mais de 50% da riqueza produzida em Portugal serve para pagar a máquina do Estado e os apoios sociais aumentam ao mesmo tempo que diminui o número de contribuintes em resultado do desemprego massificado que grassa na Europa. Portugal não escapa à regra, embora não seja o pior caso da Europa. Neste quadro, altamente problemático, Sócrates e o governo socialista que lidera ainda consegue estruturar um conjunto de medidas de carácter social, económico e fiscal capaz de por a economia a crescer para sairmos da crise em que mergulhámos.
A resposta, ainda que parcial, a este desafio radica, pelo lado do Governo socialista, no aumento do apoio às PMEs pelo reforço das linhas de crédito no seu apoio à internacionalização, aproximar a fiscalidade nacional da que é praticada nos países da OCDE, na eliminação dos recibos verdes, no apoio à natalidade e num conjunto de medidas sociais de valor complementar.
Em rigor, a forma mais correcta como podemos ler as intenções e/ou promessas de Sócrates para o próximo Programa de governo passa pela necessidade de atingir a justiça social combinando economia de mercado e empreendimento capitalista com tributação distributivista e Welfare State.
De resto, uma das lições do séc. XX é que aquilo que os marxistas designavam de reformismo liberal burguês é o único caminho que resta à política de esquerda. Todas as alternativas mais radicais redundaram num falhanço, como a história do séc. XX demonstrou. E aqui a filosofia, ou melhor, a convicção de John Stuart Mill, assente na ideia de que todo o desejo humano deve ser satisfeito. Ou, seguindo J. Rawls, as desigualdades são justificadas somente quando beneficiam os membros menos favorecidos da sociedade. Isto não significa tirar aos ricos para dar aos pobres, mas exige um esforço de redistribuição fiscal e da riqueza que agrava a tributação dos rendimentos da classe A em prol das carências daquelas pessoas que vivem com 400 euros por mês, e que são uns verdadeiros artistas.
Nesta perspectiva, a filosofia fiscal apresentada pelo PS parece razoável e é da mais elementar justiça social implementar. Não fazer esta redistribuição fiscal é permitir que o capitalismo enquanto sistema económico deixe os menos favorecidos entregues à sua sorte, à sorte da mão invisível (cruel) de Adam Smith que, quando é precisa, teima em nunca aparecer, como Deus, para dar uma maozinha aos mais pobres. Sabemos que é assim, e que o mercado, por si só, jamais resolve esses problemas de desvantagem e desigualdade social entre as classes em Portugal.
A função da política é, portanto, potenciar a felicidade humana, é produzir esperança, gerar um bem moral e aumentar a coesão na sociedade. Algo que o mercado, como referimos, não consegue assegurar por si só. Daí a necessidade da intervenção ajustada do Estado sem, com isso, comprometer o empreendedorismo da iniciativa privada e toda a imaginação que brota das forças vivas da sociedade que não dependem, directa ou indirectamente, do Estado.
Mas também é sabido que a actual conjuntura e os problemas e desafios que coloca exige que a razão seja substituída pela imaginação como faculdade que viabiliza o progresso moral. Até porque o homem se encontra em permanente recriação de si mesmo, e isso consegue-se melhor através da imaginação do que através da razão. Apesar de ambas serem as duas faculdades necessárias para gerir a incerteza do tempo presente.
Um tempo complicado porque exige ao mesmo tempo que ampliemos a liberdade, a justiça e felicidade. E, como sabemos, essa nunca foi uma tarefa fácil na evolução dos tempos e na relação do Estado na organização da sociedade, muito menos agora...
Mas é precisamente por essa razão que aquilo que se vai conhecendo das medidas que integram o Programa do futuro governo socialista, que tem ocupado boa parte da massa cinzenta de António Vitorino (e doutros que colaboram nessa tarefa) é um trabalho intelectual e político de importância estrutural para o futuro de Portugal.