A "estabilidade" de Cavaco
A complexidade e a incerteza do presente momento torna tudo tão errático. Esse erratismo desencadeia uma onda de movimentos, feito de acções, silêncios e reacções - cada vez mais obscuro, daí resultando o desaparecimento progressivo dos referenciais de orientação desenvolvimentista do país, de que cavaco, nas décadas de 80 e 90 do séc. XX foi um marco. Hoje, em Belém, tornou-se na antítese desse papel estabilizador, patrocinando o psd a S. Bento revelando ao país que Belém tenta, por via directa ou indirecta, assumir o dispositivo de regulação do sistema político nacional para corrigir os desvios às tendências normalizadoras que para Cavaco recortarão a tal estabilidade. Ora, são estes desatinos, mitigados com a incerteza e a complexidade da conjuntura que acima referimos, que fazem hoje de Cavaco, paradoxalmente, o líder de grupos sociais e de partidos que não têm um mapa estratégico a seguir, e é esta falta de referenciação estratégica - "nítida (nula", como diria Vergílio Ferreira) que faz de cavaco o piloto das corporações sem rumo que pululam hoje em Portugal e têm todas um denominador comum: atacar quem teve a coragem de lhes fazer frente e limitar os privilégios. E foi Sócrates quem teve essa coragem política, é bom lembrá-lo.
Cavaco tornou-se, em rigor, o receptáculo do centro de interesses que visa defender as suas posições sem aceitar fazer concessões ao chamado interesse geral ou bem comum, e isso acontece porque Belém tem dado vox a esses grupos organizados, mas ao fazê-lo reconhece que não tem confiança no futuro. Por isso, é com grande dificuldade que vemos o PR falar em confiança no futuro por ocasião dos discursos de pompa e circunstância que vai fazendo numa reedição post-moderna das velhinhas edições de Américo Tomás. O papel de Cavaco tem sido, portanto, o de promover cada protagonista neo-corporativo a converter os seus interesses sectoriais no interesse geral, obrigando o Governo a ficar entalado entre escolhas problemáticas que acabam por comprometer o interesse geral ao reconhecimento dum interesse especial dos magistrados, da sua amiga Ferreira leite ou de qualquer outro grupo socioprofissional que entre em rota de colisão com o Governo e tenha câmara de eco em Belém. Se é assim que cavaco presume regenerar o regime engana-se, antes o afunda mais, desprestigiando-se a si e à história de que julga ser feitor. Cavaco, no fundo, tenta identificar a sua vítima expiatória com base na qual encontra o seu culpado que lhe permtirá continuar a reinar. Ou seja, abrir as portas de S. Bento à sua amiga Ferreira leite, preparar um 2º mandato em Belém, ter a direita consigo e, de caminho, inocentar todos aqueles que, presos nas teias da justiça por múltiplas razões, alinharam consigo desde o tempo do chamado cavaquismo, que remonta à década de 80 do séc. XX. Numa palavra: Cavaco quer entalar o governo e Sócrates em particular, ajudar os seus a ser poder em Portugal, comprometer quem se lhe opuser, ilibar quem o apoia e, de confiança em confiança, de apoio em apoio, embora dizendo que não é político e os detesta, lá vai fazendo a sua cama política mas dizendo nas entrelinhas que já elegeu o seu culpado, por regra a sua vítima expiatória. Cavaco, no fundo, também é um desiludido do socratismo e mais do que nenhum outro - o deseja combater.
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