terça-feira

Uma ida ao dentista e os acidentes de avião

Há uns anos uma dor de dentes levou-me ao dentista. Enquanto aguardava pela minha vez na sala de espera ouvi alguém enlutado, que alí esperava para ser atendido, retratar uma triste história que se havia passado com ele quando viajava no carro funerário que transportava o corpo da sua própria esposa para o cemitério. Nesse trajecto ocorreu um acidente, e daí resultaram mais uns mortos.
Excusado será dizer que na sequência do acidente inúmeros componentes da carrinha funerária se desintegraram e o caixão também fora projectado para a zona envolvente em que teve lugar o sinistro.
Eis o que ouvi enquanto aguardava a minha vez. A situação marcou-me. Talvez tenha sido a minha ida ao dentista que me provovou menos dor de boca mas mais dôr d´alma.
Hoje, na sequência da tragédia do acidente aéreo do A330 da Air France que levantou o nariz do Rio de Janeiro em direcção a Paris e terá ficado no Atlântico, ouvi que alguns dos familiares das pessoas desaparecidas irão sobrevoar a área a fim de tentar reconhecer materiais e vestígios dos passageiros que de algum modo facilite esse reconhecimento, visto que já foram localizados querosene e alguns equipamentos a boiar supostamente provenientes da referida aeronave.
No momento em que os familiares das presumíveis vítimas mais precisam de apoio psicológico é quando são chamados a fazer aquilo que os técnicos da segurança e protecção civil internacional deveriam assegurar.
Não sei bem porquê, mas presumo que cada um desses familiares que agora terá de fazer mais essa missão de reconhecimento junto à area acidentada deverá sentir-se como aquele senhor que aguardava na sala do dentista e teve aquele desabafo - em contexto do funeral da própria esposa, que depois se multiplou...
Mais: nos tempos actuais marcam-se cerimónias inter-religiosas, já que são inúmeras as nacionalidades das supostas vítimas, mesmo antes de as autoridades resgatarem os corpos.
Vivemos, de facto, num estranho mundo em que tudo acontece à velocidade da luz. E as tecnologias são tantas e tão "eficazes" que não conseguem impedir que uma aeronave plane como um pássaro e consiga chegar ao destino sem se acidentar nessa trajectória ceifando centenas de vítimas nesse mergulho a 800/900kil. em direcção fatal à água.
Até os tubarões se devem ter surpreendido...