quinta-feira

O meu Pipi - um retratro psico-sociológico dum País em transformação. O Meu Pipi - Afinal, é uma "ela"

Nota prévia do Macro: Por norma não publicamos neste espaço linguagem menos própria, apesar de as palavras serem polissémicas e, em certos casos, o vernáculo ter cabimento. Um exemplo comezinho (à altura dos seus titulares): a Europa, hoje, para mim, significa uma grande "merdinha".
Relativamente ao livro e à autora de O Meu Pipi, apenas a podemos felicitar, também passagens do livro, e cedo percebi que não se tratava de ordinarice pegada e primária. A Sofia, provavelmente, deveria ter tido umas lições com o Millôr Fernandes e, hoje, até deveria estar a realizar películas ao lado do Emir Kusturica.
Dê-se, pois, os parabéns à Sofia.
Que, com os direitos de autor auferidos pela venda do livro - já poderia levar à tela da 7ª arte as suas belas narrativas. Sugeria-lhe, caso tivesse dificuldade, que encontrasse os personagens e os figurantes na actual Europa.
O guião já ela o tem...
Força Sofia!!!
PS: Enquanto procurava o dito livro, encontrei outro que não via há tempo: Os fidalgos da casa mourica do nosso Júlio Dinis. Numa das passagens diz:
A mulher é um catavento
Que com os ventos varia;
Seu amor dura um momento,
Tolo é quem nelas fia.
É uma maldade do Júlio Dinis, o ponto é que hoje homem e mulher se tornaram indistintos nas suas identidades e simulações, e o mais grave é quando o homem habita o corpo da mulher, e vive-versa.
Hoje o meu Pipi tornou-se hermafrodita.
O que era um segredo agora é uma surpresa. Durante anos perguntou-se quem seria o autor de O Meu Pipi, o blogue anónimo (e depois livro) que fazia humor com palavrões, obscenidades e ordinarices. Durante anos atiraram-se nomes para cima da mesa: Miguel Esteves Cardoso, Rui Zink, José Vilhena, Ricardo Araújo Pereira, alguém das Produções Fictícias. Afinal, nenhum deles. Afinal, nem sequer de um homem se tratava. Apesar de passar metade do tempo em considerações sobre o pénis baptizado de Zé Tolas, O Meu Pipi foi escrito por uma mulher: Sofia Saraiva, 32 anos, profissional de publicidade.
É difícil acreditar que uma mulher tenha escrito considerações sobre os factos e os mitos relacionados com “o peido de c...” (o livro é aconselhado a maiores de 18, este texto também), mas por isso é que a autora também esperou tanto tempo para dar a cara. “O blogue nasceu por divertimento”, diz, “nunca pensei que fosse gerar o burburinho que gerou, muito menos que se tornasse tão popular e que desse um livro com mais de 45 mil exemplares vendidos.” O seu objectivo, diz, era só um: “Desconstruir e até ridicularizar a linguagem masculina, os filmes pornográficos do canal Viver Vivir, os preconceitos com a homossexualidade, as fantasias com lésbicas e o desconhecimento que os homens têm do corpo feminino, que acham sempre que conhecem tão bem como o seu próprio corpo ou que se resume às mamas, ao rabo e à vagina.”
Era muito mais fácil falar de tudo isto embrulhando-o em linguagem obscena, acrescenta a autora. Transformar as mamas em “tetas”, o rabo em “peida”, a vagina em “crica”. E fazer como acabou por imprimir na badana do livro: “Mostrar a Portugal que se pode falar de fornicação sem ser choninhas como o Júlio Machado Vaz nem ordinário como a avó.”
Quando Sofia Saraiva criou o blogue, em Maio de 2003, ainda a blogosfera nacional estava a dar os primeiros passos. “Era um campo completamente anónimo e por explorar”, diz, “e eu queria isso, queria transformar-me noutra personagem, gozar, perder a cabeça e os pudores, divertir-me.” Licenciada em Línguas, Literaturas e Culturas pela Universidade Nova de Lisboa, a autora, hoje a trabalhar numa empresa de publicidade, estava entre empregos, “com um curso que parecia que não tinha servido para nada e sem qualquer motivação profissional”. “O blogue era a evasão perfeita”, diz.
Palavra passa palavra, chegou uma altura em que as visitas diárias ao Meu Pipi chegavam às 4500. Criou-se uma nova classe de leitores, os “pipistas”, e chegaram também os elogios: de Miguel Esteves Cardoso, que lhe chamou o melhor blogue português, e até de Pacheco Pereira, que escreveu no Público que “nenhuma história da obscenidade nacional (uma velha tradição portuguesa, de Bocage a Vilhena) pode prescindir de O Meu Pipi”.
Porque o Pipi nunca foi só um blogue “javardolas”, e cedo chamou a atenção pela sua erudição: Ao mesmo tempo que era capaz de discutir punhetas de mãos e de mamas, citava Shakespeare, Abbas Kiarostami ou Miguel Angelo (nem que fosse para discutir se pelas pinturas na Capela Sistina se podia perceber se Adão era ou não “roto”).
A pergunta que se impõe, seis anos depois, é porque é que a autora demorou tanto tempo a revelar-se. “De início, não o fiz por receio”, diz, “fui apanhada de surpresa com o sucesso do blogue e quanto mais destaque se dava a textos que tinha escrito por brincadeira, mais eu queria passar despercebida, por causa da minha família, do emprego, dos filhos que ainda queria ter”, continua. “Muito sinceramente, também não achava que Portugal estivesse preparado.” E hoje já está? “Hoje o impacto é muito menor, até há um programa na televisão com uma avozinha a dar conselhos sobre sexo”, acredita a autora.
No final, o que a fez decidir-se é quase uma anedota: “Fiz uma aposta com um amigo há uns anos, de que decifrava o mistério antes de chegarmos a 2010. E às tantas”, continua, “quanto mais a data se aproximava, mais eu imaginava o choque que ia ser para os homens e para toda a gente que só deu nomes de homens como possíveis autores, descobrir que isto tinha sido escrito por uma mulher.” E isso, se desse um post, até já tinha título: chamava-se “A vingança do Pipi”.
‘O Meu Pipi’ está publicado pela Oficina do Livro (13€). Blogue em http://omeupipi.blogspot.com
terça-feira, 31 de Março de 2009