quarta-feira

Caçadores de cabeças na política à portuguesa

É conhecida a proeminência que as sondagens têm na democracia e no funcionamento do sistema político. É dessa visibilidade, crê-se, que alguns players entendem fazer política e, desse modo, servir melhor os interesses das populações e das regiões. As sondagens, por seu lado, são mecanismos dirigidos por empresas que querem fazer negócio, logo precisam desses estudos para estar e reforçar a sua posição no mercado - que é altamente concorrente e fratricida.
Ora, é neste círculo vicioso que chegamos à conclusão de que todo aquele candidato a qualquer cargo/eleição que seja conhecido é melhor do que um candidato desconhecido. Impõe-se, assim, o critério da notoriedade em detrimento de qualquer outro (porventura, mais importante). O que vícia, à partida, os dados do jogo político e democrático.
Seguramente, um candidato a uma eleição política deve ter um perfil de global player, alguém que tem uma ligação a uma rede de interesses, conhecimentos, de pessoas e de instituições que adequem o seu perfil ao lugar em questão. O exemplo de Vital Moreira, autor do blog Causa Nossa, não é massivamente conhecido, tem até um passado no pcp que o prende-ao-chão, mas tem um perfil técnico, intelectual e profissional que faz dele um canddidato credível, mesmo que as sondagens, por hipótese, possam contrariar essa linha de raciocínio se comparado com outros candidatos mais conhecidos, embora menos competentes.
Daí a contradição que é potenciada e artificializada pela democracia de opinião nas sociedades modernas, que valoriza as sondagens que vincam o factor notoriedade dos candidatos no circo mediático a que se expõem no teatro que é a política.
Vem isto a propósito do post infra, onde se diz que Nuno Melo do cds/pp foi escolhido para as europeias por ser o candidato mais conhecido da opinião pública. Este ano, consabidamente, decorrem três actos eleitorais, portanto é natural que esta lógica triturante da notoriedade se imponha aos portugueses como método de aferir qual dos candidatos é (ou deve ser) em cada partido o escolhido para cabeça de cartaz.
As vantagens do método da notoriedade são óbvias, pois um candidato que seja mais conhecido do eleitorado permite mais e melhor conhecimento acerca das suas qualidades pessoais, morais e políticas. Mas não há bela sem senão, ou seja, o passivo dessa moeda é que a busca global desses candidatos por obediência cega ao critério imposto pelas sondagens (patente no tal índice de notoriedade) pode conduzir ao perigo de as regiões mais pobres (da Europa e no espaço intra-societário) se tornarem simultaneamente regiões "estúpidas", sendo que as regiões ricas, por disporem de outro tipo de candidatos, poderão tornar-se cada vez mais em regiões "inteligentes".
No limite, o perigo maior deste nó-górdio residente na democracia de massas nas sociedades modernas - assente no dispositivo do - Headhunter político - pode ainda traduzir-se no cúmulo da estupidez, i.é, num mundo global em que hoje todos vivemos, a democracia pluralista se esteja a transformar numa verdadeira farsa, num mero sub-produto de marketing animado por palavras doces, rostos geométricos, boas aparências, enfim, numa hiper-representação e num jogo de simulacros, para recordar o filósofo francês recentemente desaparecido, Jean Braudillard - mas também Maffesoli, Mário Perniola e J. Deleuze, que capacita as multidões em fúria (em regra alienadas) - capturando a verdadeira vox dos cidadãos e, por essa via, sequestrarem a verdadeira vontade dos eleitores que assim se tornam numa espécie de expectadores passivos da mega-farsa dos tempos modernos.
Até porque hoje, para complicar ainda mais a nossa linha de argumentação, no mundo das multinacionais, das grandes empresas de sondagens, das poderosas agências de Pub. (que fazem e desfazem candidatos, cenários e narrativas), a voz do cidadão "normal" (que não tem filtros) se tornou progressivamente irrelevante.
Esta é uma das consequências negativas da globalização da sondajocracia que há muito se institucionalizou na vida política, económica, social e cultural da nossa civilização.
Creio, portanto, que a melhor forma de nos prevenirmos destes perigos é estarmos cientes das próprias limitações que o método do headhunter político faz hoje em Portugal em contexto pré-eleitoral.