Do "deixem-me trabalhar" ao mecanismo da vítima expiatória
O PR tem vindo a endurecer o seu tom nas críticas ao Governo: na forma e na substância. Por um lado revela preocupação com a forma como a dinâmica política se desenrola, designadamente na relação entre o poder político e o poder económico, em particular o mundo empresarial, por outro - pela terminologia utilizada, regista-se uma vontade, progressivamente patente, de dar uma ajudinha à líder da oposição, Ferreira leite, sua amiga e discípula.
Referimos, noutro post abaixo, que no passado recente era Ferreira leite quem anunciava as intenções da agenda presidencial, isso foi descoberto e ela ficou mal vista aos olhos da opinião pública. Desde então recatou-se mais a fim de evitar gaffes e ser desbocada. Agora, em contexto eleitoral, Cavaco avança no discurso e marca terreno, sobretudo colocando reservas à finalidade e largueza dos Investimentos públicos a empreender. Que, segundo ele, comprometem as futuras gerações...
Falando assim, até pensei tratar-se do próprio questionamento do cavaquismo que secou a reprodução e emergência de elites no PSD - a avaliar pelo deserto de ideias de que hoje o partido da Lapa padece. A escolha de Rangel para as eleições europeias é sintomático desse trabalho de desertificação de quadros a que o PSD ficou sujeito - e que remonta ao cavaquismo, por muito que isso custe ao actual PR.
Nesta narrativa política, mais ou menos descontinuada, na vizinhança de actos eleitorais, a evidência dos factos revela que Belém anda à procura duma vítima expiatória que cumpra essencialmente dois objectivos: 1) fortaleça Cavaco perante a opinião pública e alargue a sua base socioeleitoral; 2) e dê uma "mãozinha" a Ferreira leite que se tem vindo a afundar nas intenções de voto registadas pelas sondagens de opinião. A escolha surpreendente de Paulo Rangel revela, sublinho esta ideia, essa exaustão de quadros do PSD para relevantes funções políticas.
Certamente, o PR deve zelar pela transparência do jogo político democrático, e se detectar relações de favorecimento com certos grupos económicos ou corporações deve advertir o Governo e, no limite, vetar-lhe leis que aquele lhe submeta para referendar.
Mas Cavaco sabe que muitos dos escândalos existentes em Portugal, designadamente no sector da banca - ainda mal esclarecidos na Justiça, têm precisamente origem no enterstícios do cavaquismo, de que o caso BPN e seus protagonistas são os principais actores, alguns dos quais, paradoxalmente, integram até o Conselho de Estado. De modo que quando Cavaco dispara o gatilho do seu revólver político apenas está a dar tiros no seu próprio pé.
Então, isto sucede porquê?
Por uma razão simples e que remete para o tal mecanismo da vítima expiatória, bem estudado por R.G., e que tem como finalidade concentrar as culpas de tudo num único putativo culpado, no caso o PM Sócrates. Porque é esse que urge fragilizar, ajudando Ferreira leite a ganhar quota de mercado político e, porque com Sócrates fragilizado - Cavaco tem mais hipóteses de dominar o jogo político a partir de Belém.
Mas mais, o discurso de Cavaco - talvez o mais agressivo contra o Governo (só faltou designá-lo de corrupto na relação com o empresariado e os gestores de topo), tem um outro objectivo estratégico na manga: culpabilizar o actual poder em funções, mas, ao mesmo tempo, inocentar dos problemas sociais e económicos do País a oposição que lhe é mais próxima e querida, ou seja, o actual PSD dirigido por Ferreira leite.
Em síntese: Cavaco arranja um culpado (Sócrates), inocenta a tremenda incompetência política que tem revelado Ferreira leite como líder (virtual) da oposição) e, de caminho, ajuda a precipitar a derrocada se as coisas se agravarem em matéria de Freeport, que é o que neste momento interessa ao conjunto da oposição.
Se esta tese fizer sentido, e veremos como será a conduta de Cavaco no discurso do 25 de Abril próximo, a tese da identificação da vítima expiatória encontra narrativa adequada para servir os interesses políticos e pessoais de Cavaco em Belém (tendo em vista um 2º mandato).
Se, ao invés, a moderação se impuser novamente ao quadro de relacionamento político entre Belém e S. Bento - recupera-se esse chavão que responde pelo nome de cooperação estratégica de que o PR tanto gosta - e que tem oscilado no pêndulo de Belém, cuja fórmula vai do "deixem-me trabalhar" à busca da vítima expiatória.
Resta-nos aguardar pelo modo como se desenrola o fim da peça e de que forma o pano cai neste teatro da política à portuguesa.
- Reflexão dedicada ao amigo AV
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