Páscoa. Ameno pro e Diana Krall. Uma crónica pouco católica
Vejo a Páscoa como um tempo de antecipação que corresponde a uma necessidade e a uma liberdade: a de a nossa Humanidade ser feliz o mais cedo possível e a de poder equacionar a sua felicidade com outros povos, culturas e civilizações. E ao não conseguir esse desiderato, pelo andamento da "carruagem" (económica, financeira e social) global, as esperanças e as promessas de boas-novas próprias da Páscoa convertem-se, automáticamente, numa espécie de mentira mas onde a farsa institucionalizada se representa com total dedicação. Mas alguns sabem que entre as boas-novas proclamadas, ao estilo de D. José Policarpo, e a realidade efectiva das coisas, vai uma distância como de Lisboa a Vladisvotok. Como fomos concebidos (via ADN) para acreditar, resta-nos aguardar que as condições objectivas (e subjectivas) da mentira cessem e a verdadeira Páscoa se afirme e projecte nas sociedades, mormente em relação aos mais desfavorecidos e deserdados da vida: os que não são livres nem iguais. Pois a ideia de que aos olhos de Deus somos todos iguais e livres, não é verdade. Deus pode ter criado a eternidade para todos os homens, mas o que sucede é que uns viajam em classe executiva e outros, muitos outros, nem sequer sabem o que isso é. É aqui que pára a religião e entra a Política, o verdadeiro instrumento de aplicação de toda uma filosofia no corpo social. Que cometerá às gerações futuras o esquema do seu trânsito, na esperança de que todos viagem em classe executiva, ou seja, todos sejam livres e iguais. Seria nisto que a Páscoa deveria traduzir-ze: liberdade e igualdade.
Páscoa é sinónimo, para já, de que estamos vivos e temos memória de que ainda o ano passado repetimos o que ora evocamos. É o costume, somos uns macacos de imitação de nós mesmos. Não passamos disto: a Igreja organiza os festejos e saca mais umas massas aos devotos, os fiéis, cada vez mais tesos, embarcam nas cerimónias na esperança dum milagre (que não vem).
Ora-se e fala-se em caridade, mas à saída da igreja se for preciso esmurrar um tipo por causa dum encontrão não se hesita, e a caridade converte-se num sôco. Deus, claro está, omnipotente e omnipresente e ainda omnisciente assiste a tudo calado que nem um rato, deve ter medo de levar alguma pêra. Mas reza-se, reza-se muito. Os padres estão cada vez mais barrigudos, deve ser porque comem cada vez mais e mais.
O estrado do Altar do Senhor até verga com tanto peso. E a caridade prossegue: na missa, no átrio da igreja, nas rádios eclesiásticas, nas comunidades mais beatas e o mais. O que interessa é que proclamemos que estamos todos próximos de Deus, quase a bater com a testa nas nuvens, em certos casos obrigando até ao desvio das rotas da navegação aérea.
Estamos, pois, na Páscoa, é momento de ver os filmes temáticos, em que o filho de Deus, Jesus Cristo aparece sempre a sangrar e a levar pancada, o que é a maior das injustiças. Mas é preciso proclamar a caridade. De passagem relembramos a ressureição de Cristo, e os mais ingénuos esperam que o milagre se aplique aos que ficaram esmagados nos escombros resultante do terramoto em Itália.
Mas o sacana do milagre tarda, o tempo passa e Cristo também não dá sinal de Si. Nem aparece nem telefona, nem sequer envia emissário, um mail ou sms. Nada. Como o milagre não irrompe onde é preciso, passa-se, então, a falar de Amor, muito amor, agora o sucedâneo do milagre. Entretanto, os padres ficam cada vez mais gordos e corados, o que significa que além de enfardarem também se enfrascam. Ou então já nasceram rosados, como dirão alguns. Por isso, não é de estranhar que do altar venha um bafo a adega do Ribatejo, embora os crentes mais fiéis e dedicados, já para não falar das beatas que conhecem bem os cantos à casa e até - algumas delas - já foram apanhadas a rezar de gatas com os padres meio vestidos atrás delas, dizem é a uva do Altar, o sumo do Senhor!!! Há de tudo.
E rematam: é a transpiração do Senhor, Amén.
Elas lá sabem de que posição gostam mais de rezar na sacristia. Entretanto, volta-se a falar de caridade e amor, a tv apresenta o D. José Policarpo, com sorte sem estar envolto numa nuvem de fumo. Ele dirá a missa on-tv, falará em jejum, abstinência e repete o que disse o ano passado.
Os ricos não vêm este espectáculo cénico; os pobres são crentes, pois é a última coisa que lhes resta é assumirem esta novela como um milagre, e fazem-no sem pagar imposto. A classe média, no meio dos ricos e dos pobres, já estão f....., e só acreditam numa religião: no dinheiro que não têm. Por isso, a depressão colectiva tende a substituir a caridade e o amor. E a linguagem muda.
Em pista paralela, os portugueses, como são todos, ou a maioria, provincianos, aproveitam as mini-férias para se deslocar às suas terras natais e aí conviverem com os indígenas, mas como muitos deles são uns alarves a conduzir matam-se na estrada antes até de chegarem aos destinos. Matando também aqueles que não sendo alarves - estavam na hora e no sítio errados. Resultado: mais uns funerais, mais umas missas, mais umas flores. Cerimónias caras e que têm que se pagar.
Quem ganha e faz negócio? A igreja, os floristas e as agências funerárias, que agora já são tão especializadas e profissionalizadas que nos intervalos dos funerais servem sopas (incluindo até menú macrobiótico para atender os gordinhos que estão em regime de dieta), fornecem acessos à internet e facultam zonas de bar aberto e convívio. Em certos casos, é até um prazer ir a um funeral. As pessoas, algumas pessoas, julgam até estar nos alunos de Apólo naquelas danças de salão...
É nesto neorealismo fantástico que redunda a Páscoa: jejuns, petiscos, convívio, acidentes, mortes, funerais, e, claro, uns dias de férias. Alguns falam de religião mas nunca abriram a Bíblia, outros dizem-se íntimos de Deus porque acham que jogam com Ele às cartas no jardim dos reformados, outros ainda não acreditam em nada disso e confundem a Páscoa com o Natal e reclamam prendas antecipadas da família e dos amigos. Em certos casos, em certas famílias tudo isto se converte numa tourada. Alguns embededam-se, depois lembram-se que Jesus mandou amar o próximo, mas alguns só amam o vinho, a tal ponto de confundirem as respectivas mulheres com Jesus - que assumiu os comandos no leitos conjugais, tal a confusão. Outros só vêem tv e vibram mortificados com os pecados que carregam. Outros (ainda) porque adoeceram perguntam-se se Deus não será um farsante, porque Ele nunca aparece quando é necessário. Tudo dúvidas atendíveis...
Ano após ano vivemos estas experiências banais, fazemos estes funerais sociais de bar-aberto e música ambiente com acesso a banda larga. Acompanhados dos êxodos num rectângulo cujo País tem 900 Kil. de comprimento e 300 de largura e algumas assimetrias de Norte a Sul, do Litoral ao Interior.
E o que mais me surpreende é que com tanta catástrofe natural, com tanta pobreza, com tanta mortandade no mundo, todos nós, ano após ano, representamos este papel, assumimos a narrativa, tomamos as posições de véspera e oramos, comemos, bebemos, confiamos, conspiramos. No fundo, asseguramos o tripé do xixi-cocó-xilindró (que falámos numa reflexão abaixo), emprestando ainda mais rotina à rotina dos tempos, como uma gigante roda dentada da qual não podemos escapar. E quanto mais oramos mais desgraça vemos, num mundo em que a esperança coabita com o sofrimento, a bondade com a maldade. E os padres cada vez mais pançudos e rosados...
Mas o que devemos ter presente não é o facto de algumas beatas se confessarem de gatas numa sacristia perto de si, o que importa é que o significado da Páscoa traga uma qualquer "boa-nova". Sinalizando uma esperança de vida melhor, libertando o sofrimento dos que sofrem, nem que para isso os pobres tenham de dar uma esmola ao Ricardo salgado Espírito Santo, ou os fiéis da Opus da Prelatura do Campo Grande contribuam para valorizar a reforma do engº Jorge Jardim Gonçalves (o velho "jaguar") que Joe Berardo um dia mandou calçar as pantufas e não sair do sofá de sua casa.
Tinha razão, porque Jardim Gonçalves conseguiu, efectivamente, destruir o BCP, e vem isto a propósito da religião e da Páscoa. A banca é apenas um sub-produto de ambos...
Devemos continuar todos a acreditar que a morte de Jesus Cristo representa o fim dos sofrimentos e dos problemas. Não podemos é absolutizar esse argumento e essa crença, sob o risco de amanhã os mortos irromperem todos cemitérios a-fora complicando ainda mais a vida aos vivos que hoje já não vivem, apenas sobrevivem. Com os mortos-vivos a segurança social, os centros de emprego, os centros de saúde.. tudo seria um pandemónio ainda maior. Portanto, é melhor as portas dos cemitérios ficarem encerradas.
Mas é a filosofia - e não a religião - que labora tudo isto, ela é a espiral que conduz indefinidamente o homem de todas as humanidades planetárias para uma dignidade absoluta. Sendo que o entendimento de Deus, e de Seu filho, é, assim, dado pela filosofia e não pela religião. Alguns padres mais cultos sabem-no, mas, por conveniência de serviço, ocultam-no.
De tudo resultam duas coisas entre filho e Pai, ou seja, Deus ainda não tem telemóvel e o seu filho, Jesus Cristo não atende estranhos. Talvez seja por isso que continua a haver tanto sofrimento, pobreza e miséria no mundo. Talvez seja por isso de festejamos anualmente a Páscoa.
E o que mais me chateia, confesso, é que daqui por uns dias estarei a dizer as mesmas banalidades por ocasião do Natal, se viver até lá e não me estampar como um desses tais alarves que andam por aí...
ameno pro
The Look of Love
<< Home