Cronos e a dromologia da política. O tempo global (e a vendetta) do porco
Regresso à gripe dos suínos para tentar explicar a velocidade a que hoje os acontecimentos fluem e à cadência a que os decisores têm de planificar medidas políticas a fim de circunscrever os danos que da sua ausência resultariam para as populações no plano mundial. Esta pandemia suína, que demanda do México, evoca-me Cronos que devorava as suas crianças. E apesar da analogia ser um pouco forçada, valerá a pena seguir nesse filão para perceber a dinâmica dos acontecimentos que hoje revelam que o que se passa num país não é indiferente ao que se passa noutro, e no próprio continente e, num plano mais vasto, como se a geografia sofresse uma hiper-contração, no mundo inteiro. Ou seja, hoje ninguém está a salvo de ser infectado por uma qualquer pandemia porque uma pessoa no México, na Holanda, na Suíça ou no Perú - contraíu o virús - que deixou de conhecer as fronteiras físicas e baralhou os dados da equação de fazer política, mormente, na área da planificação dos cuidados de saúde que ora é necessário ter com mais acuidade.
Portanto, a transmissão dos vírus ocorre hoje à velocidade da luz, ainda que a reacção das pessoas e das instituições não consiga acompanhar essa pedalada verdadeiramente infernal. Isso é provado com o nível de alerta mundial para cinco por parte da OMS, o que revela o largo alcance da pandemia. Que já afectou 13 países, causando mortos em todos eles, e até os países ricos, brancos e hiper-desenvolvidos já acusaram baixas: EUA, Canadá, NZ, Alemanha, Escócia, RU, Áustria, Suíça, Holanda, Espanha... A coisa começa a ficar preta. Já anda tudo de máscara e luvas, parece até que o mundo se prepara para um assalto global à casa do vizinho neste risco permanente em que se transformou a aventura da vida. É por isso que hoje todos os países devem activar os seus planos de preparação para combater essas pandemias, que é assim uma espécie de terrorismo dos suínos numa versão sofisticada do Triunfo dos Porcos de G. O. Esperemos, contudo, que provoque menos mortos do que a guerra civil espanhola.
Mas o meu ponto é outro, bem outro. Até porque ainda não estou de máscara e respiro sem reservas para comentar esta gripe dos suínos. Mas a ironia dos tempos não deixa de nos por de sobreaviso, porque depois das vacas loucas aparece este pandemia, até parece que alguns animais se entretém a brincar connosco como vendetta daquilo que fazemos por eles, que é matá-los e comê-los. Tal como Cronos fazia às suas crianças, mas Cronos fazia esse massacre para não haver descendentes e, assim, conservar o poder absoluto, e sempre que vinha ao mundo uma crianaça o bom do Cronos se encarregava de o devorar, como retrata a imagem (supra) de Goya. Pois agora são os porcos, os porquinhos e os porcalhões que, simbólicamente, assumem essa função no plano global numa versão de globalização do porco ou de ditadura do suíno. Não deixa de ser curioso... Mas a outra componente deste exercício meio filo-suíno remete para o essencial que pretendo sublinhar, e isso enquadra-nos para a ligação entre o tempo e a velocidade com os factos que hoje ocorrem e produzem danos nas comunidades de cada país e no mundo inteiro. Esta contração (do tempo e espaço) revela que o tempo mundial é único, o presente é também único, deixou, por isso, de haver passado e futuro, porque esse tal ditador do tempo global solda todas essas pontas a uma velocidade cujo limite é a própria velocidade da luz que Albert Einstein teve a genialidade de compreender e de quantificar. Por isso, esta gripe dos porquinhos vem revelar ao meu modesto oráculo uma coisa simples e comezinha: são eles os novos mensageiros da desgraça, estão sendo eles, os porcos, que chocaram com a barreira do tempo real, com a barreira da luz. Portanto, são os suínos que hoje, desgraçadamente - é certo! - protagonizam essa cosmologia do novo tempo histórico, por natura instantâneo, e que concorre com os 300.000 quilómetros por segundo da velocidade da luz. E quem pensava que o porco era lento tem aqui a prova do contrário. O porco, ou melhor, os porcos têm hoje o planeta nas mãos, a sua categoria animal - por via da disseminação preocupante dessa virologia - representa a sua ubiquidade, que era um termo que eu apenas utilizava a Deus - por ser omnipresente, omnisciente e, diz-se, omnipotente. Mas se fosse teria evitado mais este problema planetário, por isso também posso presumir que Deus come, ou comeu, carne de porco. E se não aparece também pode (já) estar infectado... Numa palavra: o porco, esse grande javardolas que nunca me inspirou confiança (até porque nunca olha de frente, pois a configuração dos abanos não deixa), ao invés do burro, do cão ou do cavalo, representa hoje uma ameaça pior do que a de Bin Laden que ainda está escondido nas montanhas do Afeganistão. Mas é o porco, este porco da virologia, que hoje exterminou o espaço e o tempo, obrigando pessoas e decisores a decidirem à pressa, a gastar recursos que poderiam ser investidos noutras áreas e com outros benefícios, ainda que nenhum bem exista superior ao da própria vida. O porco (e a virologia de que é portador), esse animal andrajoso, assumiu, paradoxalmente, uma dimensão de velocidade que interfere com a nossa qualidade de vida e até com a nossa própria vida, nos casos-limite em que já morreram dezenas de pessoas por causa desse capricho de virús desconhecido. Creio, portanto, que pela 1ª vez na vida o porco veio bater o record da luz dos tais trezentos mil quilómetros por segundo, o que é um acontecimento que ultrapassa o imaginável. PS: Declaração de interesses - raramente como carne de porco ________________________________________________________________
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