segunda-feira

Qimonda faz estragos em Belém...

A cooperação estratégica, segundo o Governo de José Sócrates
07.03.2009 - 13h17 Luciano Alvarez, in Público
O Presidente da República convidou, através do primeiro-ministro, vários membros do Governo para a sua visita de Estado à Alemanha. Como sempre acontece, com este e com os anteriores Presidentes, quando numa visita presidencial há assuntos de foro governamental que o Presidente entende dever incluir na sua agenda - assinaturas de protocolos, inaugurações de exposições patrocinadas pelo Governo, relações empresariais e diplomáticas - é obrigatória a presença de um membro do Governo da área em foco. Pela razão óbvia que o chefe de Estado não tem poderes executivos.
As agendas da Presidência e dos membros do Governo são atempadamente acordadas entre os dois staffs de forma detalhada para que nada falhe e tudo seja feito em perfeita consonância. Isso não aconteceu na visita de Cavaco Silva à Alemanha e a agenda do Presidente acabou por ser adulterada por membros do Governo, o que embaraçou de forma notória o chefe de Estado. E tudo isto por causa da situação de empresa alemã Qimonda, cuja situação de falência pode levar ao despedimento de milhares de trabalhadores, nomeadamente em Portugal. A Qimonda não estava na agenda oficial de Cavaco. Mas estava no que se pode chamar agenda "paralela". Ou seja, o Presidente sabia que a situação ia ser abordada, ele próprio se queria inteirar da situação junto das autoridades alemãs, mas, face à delicadeza da questão e ao facto de a sua resolução envolver vários protagonistas, não queria empolar o caso e muito menos criar falsas expectativas.
Foi por isso que, a seguir ao encontro com a chanceler Angela Merkel, o Presidente se limitou a lamentar por não haver "algo de positivo" a acrescentar à situação da Qimonda. Não podia dizer muito mais, até porque ainda lhe faltava falar com outro protagonista com uma palavra política sobre o caso, o ministro-presidente do Estado da Baviera.
Quem não esperou foi o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado. E no mesmo dia em que o PR disse não haver "algo positivo" a acrescentar, Amado manifestou optimismo em relação à situação da Qimonda e revelou pormenores do encontro com Merkel que o Presidente entendia que não deviam ser públicos.
A partir daqui, a Qimonda entrava na agenda do Presidente de forma descontrolada e exactamente da maneira que Cavaco não queria. Mais: ganhou tal dimensão que acabou por abafar a restante agenda do Presidente, relegando para um segundo plano iniciativas importantes que Cavaco Silva entendia que mereciam relevo e a maioria das quais até era da iniciativa do Governo. E ainda faltava, como já é hábito, o ministro Manuel Pinho colocar a cereja no cimo do bolo. Quando, após o encontro com o ministro-presidente da Baviera, Cavaco entendeu que tinha então dados para afirmar que havia, agora sim, "sinais muito interessantes e positivos", Pinho falou para não acrescentar nada ao que o Presidente já tinha dito, mas para secundar Luís Amado e fazer propaganda política com o caso, falando das iniciativas do Governo quando todos deviam estar a falar a uma só voz.
A promoção de Portugal, a diplomacia económica, a palavra de confiança em relação à crise que Cavaco queria transmitir no país-motor da União Europeia foram assim relegadas para um segundo plano pela melhor definição dada até hoje do que o Governo entende ser a cooperação estratégica entre São Bento e Belém.
Obs: Temos aqui criticado a forma tardia como Belém resolveu meter em marcha a sua diplomacia económica. Quando o faz, já o Governo pisou e repisou o assunto. Desta feita, digamos que quando Cavaco chega à festa já todas as meninas estão a dançar com o melhor par, permita-se-me a analogia. Cavaco, em Portugal ou agora numa versão germânica, está votado a dançar sózinho. "Agarra-se ao pau", como se dizia noutros tempos... E isso decorre, precisamente, do seu atraso em pôr em marcha a tal diplomacia económica que já há muito deveria estar no terreno, de preferência fazendo jus ao chavão - cooperação-estratégica - que é muito sonante mas, pelos vistos, muito pouco interactivo com o Governo - que nesta matéria sensível também não quis deixar os seus frutos por mãos alheias. Na prática, a Qimonda tramou Belém. Ainda por cima na Alemanha.