domingo

O ideal apático do deputado e poeta Manuel Alegre

O poeta e deputado Manuel Alegre podendo ir ao Congresso do PS em Espinho não foi, embora procurasse estar presente pela ausência mais notada. Poderia ter realizado uma intervenção, ou duas ou três, encostar Sócrates à parede, fazer-lhe perguntas e lançar-lhe desafios e propôr soluções e aventar pistas ou estratégias. Alegre não fez nada disso. Em seu lugar fez um número de teatro, deixando para Sábado - esticando a corda do tempo ao limite - para, qual Prima Dona - anunciar que não ia a Espinho. Alegre foi notícia pelo Não, pela ausência, pela omissão. Alegre é uma não-notícia; um não-facto: um factóide. Quando tem dúvidas vai expô-las aos conciliábulos do BE, é aí que ele se realiza, é aí que ele serve ao País toneladas de exemplo de cidadania, é aí que ele revela o seu potencial de amigo dos pobres. Chego a pensar que Alegre não foi a Espinho porque estava com "medo"... O tal medo de que falava Edmundo Pedro, afinal, tem fundamento: Alegre não saíu de casa. Talvez tenha ficado a rendilhar um poema, a esboçar um ensaio ou até mesmo a preparar a resposta do Louçã ao António Costa - que acusou, e bem, o BE de ser um partido-parasita. Em Lisboa, o BE tem sido um partido sangue-suga, pondo a partidarite à frente dos interesses da cidade. Alegre anda há muito perdido, quer ser ubíquo, como um pequeno deus e, afinal, nem sair de casa conseguiu no dia do Congresso do seu próprio partido onde é um histórico há quase meio século. Perdendo o seu ponto de mira político, Alegre vive desorientado, hesitante ante as grandes dúvidas da existência, e não já só da política. E quando se perde a bússola a única coisa que se faz é navegar à vista. Nuns dia toma o pequeno-almoço com o Fazenda, noutros almoça com o Louçã, noutros ainda janta com ambos sob a orientação histórica de Fernando Rosas - nesse movimento do vazio, do agarrar-se a algo para que a sua vida política encontre a canonização que o deputado-poeta há muito aspira. Mas se virmos bem as coisas, com o realismo que elas merecem, Alegre é um histórico do PS, falha o congresso, trata o seu próprio partido como um enteado e revela uma profunda imaturidade e irresponsabilidade política (para não lhe chamar outra coisa) ao entender-se às escondidas com o partido mais trauliteiro da democracia portuguesa. Eis a actual fisonomia política de Alegre: um poema vazio, a antecipar uma biografia estéril, descaracterizada, em acelerado processo de desidentificação. Alegre ficou paralizado, petrificado diante da sua própria bipolaridade política: sabe que se se aliar ao BE será trucidado pela história e enviado para o reciclagem da história em dois tempos; dentro do PS Sócrates impede-o de ter o papel que deseja. Restou a Alegre não sair de casa. Esperemos que amanhã não apareça pendurado num microfone justificando o simulacro da sua ausência por duas caricaturas da realidade: o medo e a falta de mapa. Espinho, afinal, é tão longe... Mário Soares é que tinha razão. Soares é que o topa bem. Ao ser como é, ao agir como age, Alegre tornou-se na metafísica do nada, no abismo do vazio, do poema sem alma. Entrou num processo de auto-descaracterização. De eutanásia política. O seu relativismo político, gerador de permissividade, ainda lhe sequestrará o papel que, de facto, teve na história política contemporânea. Por tantas omissões e ausências forçadas - Alegre é, hoje, uma existência sem aspiração, um mero promotor de denúncias do vazio. Um poema sem letras. Alguém ofereça um novo mapa ao poeta... De preferência que tenha escrito duas palavrinhas: responsabilidade e coerência.