sexta-feira

ÚLTIMA OPORTUNIDADE - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso.
ÚLTIMA OPORTUNIDADE, in dn
António Vitorino
Jurista
O problema do futuro não é tanto o de saber como será, mas de como lá chegar. Em cada dia que passa sentimos mais os efeitos da crise no nosso quotidiano, pesando a incerteza sobre a sua duração. Alguns discursos encantatórios tentam convencer-nos de que existe uma qualquer solução mágica que nos faça emergir ao virar da próxima esquina.
Mas a realidade encarrega-se de demonstrar que não só levará tempo a reinverter a crise de confiança e a recriar as condições da retoma económica, como entrementes há que cuidar dos efeitos nefastos que se vão produzindo.
A primeira lição da crise é a de que os países, mesmo os mais poderosos económica e militarmente, não terão êxito se actuarem sozinhos. A viagem da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, a Pequim, pedindo que a China continue a adquirir títulos da dívida americana, não podia ser mais eloquente.
O exemplo europeu de Outubro passado aponta no mesmo sentido: só quando os 27 Estados da União acordaram numa acção conjunta e numa estratégia comum para estancar a deriva do sistema financeiro é que foi possível fazer a diferença e começar a pensar em limitar os estragos da crise nos mercados bolsistas e no sistema bancário.
Infelizmente, desde então para cá, a União Europeia voltou a dar uma imagem de incerteza e de insegurança quanto ao rumo a seguir, cada país correndo na sua própria pista para fazer face à recessão, sendo inúmeros os sinais de desentendimento quanto ao curso a seguir para limitar os efeitos do desemprego galopante e relançar o crescimento da economia.
No passado domingo reuniram-se em Berlim os líderes dos seis países da União que estarão presentes na cimeira do chamado Grupo dos 20, em começos de Abril, em Londres. Este tipo de reunião de um grupo restrito (mesmo que "composta" pela presença da presidência rotativa, da Comissão e do Banco Central Europeu) não ajuda a reforçar o essencial da mensagem: a de que só uma acção de todos os Estados membros da União pode, mais uma vez, fazer a diferença.
Por isso, é grande a responsabilidade dos chefes de Estado e de governo quando, no próximo domingo, se sentarem em Bruxelas na sessão extraordinária do Conselho Europeu convocada para responder aos efeitos da crise global. Uma eventual falta de acordo na sede própria acabaria por legitimar a lógica do "cada um por si" ou dos pequenos grupos sectoriais, enfraquecendo não apenas o papel político, mas também os efeito da acção conjunta dos Estados neste momento crítico da nossa vida colectiva.
Mais do que endossar as conclusões de Berlim (sobre a regulação e supervisão da generalidade dos produtos financeiros, sobre as regras reguladoras do papel das agências de rating, sobre as imposições aos offshores não cooperantes, sobre a centralidade do FMI na nova arquitectura financeira global), o Conselho Europeu tem que responder a duas questões centrais.
Por um lado, a resposta à crise não pode assentar em fugas para a frente de inspiração proteccionista, o que, a persistir, não só agravaria ainda mais os efeitos da recessão e poria em causa pilares fundamentais da integração económica europeia laboriosamente levada a cabo nas últimas décadas, do mercado interno e da política de concorrência.
Por outro lado, criar um horizonte de esperança para a superação desta crise profunda exige acção coordenada para suster a onda galopante de desemprego e para criar um quadro de soluções justas e democraticamente aceitáveis para aplicar aos bancos europeus que se encontram em situação financeira particularmente vulnerável, designadamente por nos seus balanços ainda constarem encobertos os chamados "activos tóxicos".
Neste momento aguarda-se um sinal de coesão e de solidariedade da parte das lideranças europeias, muito em especial para com os países da Europa Central e do Leste que estão numa posição particularmente frágil. É que qualquer perturbação maior nesses países acabará por ter um efeito imediato e directo na própria Zona Euro, não estando por isso ninguém imune ou preservado das ondas de choque que daí derivariam.
Tem-se, por isso, a sensação de que nos aproximamos de uma última oportunidade. Saberão aproveitá-la?
Obs: Envie-se xerox deste artigo de António Vitorino ao incumbente da Comissão Europeia que em lugar de tentar convencer os Estados, todos os Estados - e não apenas os grandes, de estabelecerem medidas para promoção efectiva do emprego e de protecção eficaz e transparente do sistema financeiro europeu (sem o qual não há crédito para funcionalizar a economia) - ande já em campanha pneumática com vista à recolha de apoios politico-diplomáticos para a sua reeleição. Mais importante do que ouvir Barroso a falar línguas nos púlpitos da Europa e do mundo - é olhar para a Europa hoje e ver um rumo - com horizonte e zenite. Infelizmente, não é isso que vemos, ou melhor, vemos um Barroso sim - mas sem zenite e horizonte.