sexta-feira

Verdade = Liberdade, Nã-nã... As vacas da Praça de Espanha

Algures André Glucksman perguntava-se para que servia a filosofia e o pensamento em períodos de crise. O Manuel Maria Carrilho emigrou, os filósofos caseiros servem bicas ou andam disfarçados de enfermeiros a dar consultas psicológicas em vãos-de-escada, "maneiras" que ficamos encalhados na ausência de resposta, se resposta há...

Glucksman adianta que a filosofia e o pensamento não servem para quase nada, já que cada homem é uma ilha que brilha, ou pretende brilhar solitáriamente nesta revolução sem finalidade que vivemos.

Mas se assim é, de facto, como explicarmos que um cínico, como foi Nicolau Maquiavel conseguiu convencer o frade Savonarola a moralizar a vida em Florença, apesar deste ter acabado a sua vida enforcado. Uma maldade irreparável...

Isto faz com que o cínico actue pragmáticamente, fazendo o contrário daquilo que pensa; o céptico lá respeita aqueles que dizem conseguir alcançar a verdade, e os moralistas estampam-se sempre.

Encontramos assim uma troika de "artistas" na sociedade, em que os que perdem são sempre mais honrados do que os triunfadores.

But..., há sempre um but... a verdade hoje tornou-se impossível, verteu-se num conceito dissoluto, evanescente. E tornando-se num estado gasoso a verdade torna-se indefesa, vendida à moda. E sendo assim o peso das convicções não bastam para refrear o cinismo - frio e sarcástico animado pela teoria de que os fins justificam os meios.

Quando este reconhecimento se dá na mente de alguns artistas percebe-se que a verdade é sempre uma convenção, negociável, com condições e prazos. A verdade - que deveria ser um impulso de liberdade - tornou-se, por razões velhas e doentes de toda uma civilização decadente, numa metáfora do tempo, precária, alheia aos valores que efectivamente tem valor.

Quando me pergunto hoje qual é a minha verdade só lembro dessa revolução sem finalidade que hoje todos vivemos, como se fôssemos aquelas vacas dos Açores que um publicitário "genial" pôs a pastar na Praça de Espanha na suposição de que dalí iria resultar um qualquer queijo roquefort que surpreenderia o Corte Inglês.

O que é a verdade hoje senão a vidinha de cada um de nós, nessa motivação hedonista-consumista-relativista que nem sequer serve para converter a verdade na liberdade, como seria suposto. De certo modo, todos ficámos reféns dessa falta de verdade. É para isto que a p... da filosofia serve: tornar claro quão miseráveis somos e miseráveis nos tornámos. Ainda que esforçados, já não sabemos ser diferentes. E aqueles que não alcançam isto ainda mais miseráveis são, pois desconhecem o estado de imbecilidade em que estão.

Tudo hoje ficou suspenso num mundo sem ideias. Chego a pensar que o tipo que meteu as vacas a pastar na Praça de Espanha (como jogada de marketing) era o homem "ideal" para emprestar finalidade à revolução que devemos empreender. Se ele pensou promover os Açores à pala dumas vacadas na Praça de Espanha eu posso presumir que se metermos Portugal no.......... sairemos da crise em que vegetamos.

O problema estará em saber preencher aquele espaço. Um espaço que também não deixa de ser miserável. Aliás, esta também é uma reflexão miserável que ocorre num tempo e num modo igualmente miseráveis.

Talvez seja esse o novo sinónimo das palavras verdade e liberdade: miserável.