Mais meio milhão de eleitores no mercado eleitoral

Mais 737 mil eleitores no próximo acto eleitoral, in JN
Números indiciam crescimento dos "eleitores-fantasma" e, logo, da abstenção nos escrutínios
ISABEL TEIXEIRA DA MOTA
O aumento em mais de 500 mil dos eleitores inscritos nos cadernos implicou mudanças no mapa de distribuição de mandatos à Assembleia da República. E poderá ter um impacto significativo no aumento da abstenção.
De um momento para o outro, os cadernos eleitorais passaram a ter mais de meio milhão de novos eleitores inscritos sem que, por outro lado, se tenha procedido à "limpeza" dos excedentes (mortos e duplicados).
O número apurado até 31 de Dezembro de 2008 (ver mapa do recenseamento publicado este mês em Diário a República) é de 9 669 650 milhões. São mais 737 888 eleitores do que em 2005 - ano das últimas eleições legislativas.
O número resulta das alterações introduzidas ao recenseamento eleitoral no ano passado: para simplificar, a Assembleia da República aprovou a inscrição imediata de eleitores, designadamente dos que atingem os 17 anos (para poderem votar se à data da eleição já tiverem feito os 18).
Mas a medida, conjugada com o não abatimento dos excedentes, gerou uma aberração no recenseamento: há mais eleitores inscritos do que população residente em Portugal. Segundo dados dos INE de 2007 (Censo de 2001), a população residente é de 10,6 milhões. Retirando a população que tem entre 0 e 14 anos, que não vota (1,6 milhões), obtém-se um saldo de 9 milhões. Os eleitores inscritos são perto de 9,7 milhões, e ainda falta descontar à população residente a que tem entre 15 e 17 (que também não vota), dados que o INE não fornece, mas que se estima ser 0,4 milhões. Obter-se-ia uma população com 17 e mais anos de cerca de 8,6 milhões - que é a que deveria corresponder ao eleitorado. Ou seja, há uma diferença de 1,1 milhões de pessoas.
Este é o primeiro "efeito perverso" das alterações ao recenseamento apontado pelo politólogo Manuel Meirinho Martins, do ISCSP, que destaca "a inflação brutal do universo eleitoral", considerando-a "incompatível com um sistema democrático saudável". "Podemos estar perante uma democracia fantasmagórica na ordem de um milhão de pessoas", declarou ao JN.
O "efeito perverso" seguinte, aponta Manuel Meirinho, é o aumento da abstenção. Segundo os dados do recenseamento, são cerca de 330 mil jovens incorporados directamente no sistema, "sem que isso signifique que vão votar", sublinha o politólogo. Os restantes poderão ser imigrantes que se inscreveram e outros residentes que ao tirar o cartão de cidadão ficam automaticamente inscritos.
Para o professor de Ciência Política, pode estar em causa "um aumento da abstenção técnica", e por consequência um "crescimento exponencial da abstenção nos próximos actos eleitorais".

Na prática, não sabemos se estamos mais permeáveis a um cenário céptico conducente a uma elevada taxa de abstenção ou a uma expressão massiva de votos nas urnas. Tudo dependerá, não da vontade de alguns estudiosos e politólogos que pouco acrescentam aquilo que a generalidade das pessoas já sabe e diz na rua e nos transportes públicos, mas da forma como as pessoas percepcionam a crise e reagem a ela no contexto socioeleitoral. Dizer-se que a taxa de abstenção pode disparar pode ser equivalente ao seu inverso, ou seja, concluir pela maior participação dos eleitores nas urnas em 2009. Creio que aqui os politólogos têm (e devem) ser tão humildes quanto rigorosos, e não havendo instrumentos precisos de que os resultados de uns são esmagadores relativamente aos outros, manda a prudência que não se façam retratos (abstencionistas) antecipados duma realidade que, no terreno, pode trazer novidades e, nessa conformidade, mandar a abstenção às malvas demonstrando que em Portugal a democracia representativa pode, em sede de eleições e com um universo alargado de eleitores activos, aumentar o índice de vontade de participar activamente nos três actos eleitorais que têm lugar no decurso de 2009. Na nossa modesta intuição, assente apenas em percepções mais próprias das ciências sociais do que das certezas débeis e paroquiais das ciências duras/exactas, inclino-me a julgar que será isso que irá acontecer, i.é, uma maior participação cívica e política dos portugueses nestes três actos eleitorais demonstrando não apenas a falência de alguns vatinícios que nada têm de científicos e, por extensão, numa construção mais rebostecida da democracia representativa em Portugal. De preferência, com mais jovens a participar. Mas há que limpar os cadernos eleitorais para evitar duplicações, sob pena de o universo votante em Portugal se assemelhar às quotizações do CDS que até tem eleitores que já morreram a pagarem cotas...
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