terça-feira

Lisboa(s). Da fragmentação das esquerdas à anamorfose de Santana Lopes

O tempo político actual revela descontinuidade e fragmentação entre quase todos os actores políticos na capital. A interpretação desses movimentos revela as intenções dos intervenientes.
Vejamos esses posicionamentos relativos:
  • 1. Uns escolhem enfrentar a realidade que herdaram, é o caso de António Costa e do seu Executivo que teve de lidar com um passivo verdadeiramente paralisador na autarquia, agravado com o veto do Tribunal de Contas ao empréstimo solicitado, além do caos urbanístico e dum caldo de cultura burocrático-administrativo propiciador da corrupção - que o SimpLis está a erradicar. Um programa lançado pela Câmara Municipal de Lisboa em Julho de 2008, que consiste na simplificação administrativa para facilitar a vida aos cidadãos, às empresas, às associações e que comprometeu os serviços municipais com um conjunto ambicioso de medidas que aproximam a Câmara dos cidadãos e das empresas e criam novos e melhores métodos de trabalho, tornando-a menos burocrática. Portanto, a obra autárquica não tem, necessáriamente, que passar pelo "betão", por túneis, por obras monumentais - apesar de serem necessários e de encherem o olho. Mas cada um faz as omeletes com os ovos que tem, e no caso do actual Executivo, até tem conseguido fazer omeletes sem ovos;
  • 2. Outros, como Santana e o cds/pp, estão a tentar renascer das cinzas racionalizando a ilusão e recorrendo à mentira como método de fazer política e ao efeito de anamorfose que adianto explicito;
  • 3. Outros ainda, como o PCP e o BE tentam um ensaio a solo, já comum no partido da foíce e do martelo, e com um BE tentando apoiar a alegrista e histriónica Helena Roseta - que parece querer ir a votos sózinha e depois, então, fazer as coligações pós-eleitorais que melhor servirem os seus interesses.

Daqui resulta uma concreta configuração de forças: as esquerdas estão divididas, em parte, pelo ódio e a oposição a Sócrates no plano nacional que impede um entendimento autárquico na capital. O que não valoriza nem potencia a candidatura de António Costa, vencedora à partida, mas não de forma esmagadora, como seria desejável e em nome da governabilidade e da continuidade do projecto de modernização lançado para Lisboa em 2008.

Ruben de Carvalho será, novamente, a bandeira do PCP em Lisboa e o BE, que ficou órfão de candidato (o Zé, que hoje trabalha em estreita cooperação com o PS), terá, doravante, que arranjar alguém para apoiar. Roseta, com um ego do tamanho do mundo, e para fazer o joguinho malandreco do poeta Manuel Alegre, resolve ser durona e inviabilizar uma aliança com António Costa, apesar de ser um movimento e não um partido. O que dificulta formalmente essa aliança.

Daqui resulta, objectivamente, uma fragmentação sociológica que não valoriza a posição de António Costa na capital.
Por outro lado, sanear uma autarquia em bancarota e pagar aos credores parece não ser uma tarefa devidamente valorizada, como devia. Os túneis e as maquetes megalómanas de Santana seduzem mais um eleitorado fútil que, quando pensa melhor, acaba por dar razão ao Executivo socialista em funções. Já que nada poderia ser continuado se aquele saneamento financeiro não se fizesse.
É preciso recordar que quando António Costa pegou na autarquia nem os fornecedores de papel higiénico da CML queriam vender mais a crédito...
Perante isto, o que resta a Santana fazer para renascer das cinzas?
Falar no Túnel do Marquês, se possível repeti-lo 10, 100, 300 vezes. Até me surpreende por que razão Santana em vez de se auto-cognominar o "menino-guerreiro" ou, agora, um "D. Sebastião" - não se auto-proclama o Fontes Pereira de Melo!? Só por ignorância histórica Lopes baralha as narrativas históricas...
É aqui que Santana se espalha, na medida em que denega a própria realidade. Diz que não foi um perdulário, e toda a gente sabe que foi; diz que foi um autarca razoável, e toda a gente sabe que foi um péssimo gestor; em parte também porque já estava com os olhos postos no cadeirão de S. Bento, tal o seu desejo, diria compulsivo e patológico em querer ser Primeiro Ministro de Portugal. O que acabou por suceder de forma quase-monárquica, curiosamente.
Resta agora a Santana recriar uma nova realidade, feita à medida, para explorar o tal efeito de anamorfose a fim de corrigir os erros, as ilusões e as sucessivas incompetências de que sanatana foi autor na CML. Hoje ao procurar fazer retro-história, apagando os pedaços da história que não interessam e tentando recuperar os aspectos menos maus, procura relançar a sua candidatura e criar um "efeito de túnel" da mente das pessoas. E até recorre à simbologia histórica, auto-proclamando-se o "D. Sebastião que vai lutar contra o nevoeiro", para criar esse efeito de curvatura da história para melhor se pôr em bicos de pés.
No fundo, o objectivo de Santana é simples: gerar na opinião pública um efeito visual que leve as pessoas a mudar de posição em relação ao seu próprio passado político e, assim, ter hipóteses de ser eleito. Esse efeito de tentativa de correcção da ilusão e dos erros de Santana para limpar a sua imagem culmina na tal anamorfose.
Em rigor, aquilo que verdadeiramente Santana representa é um buraco em Lisboa, mas ele pede às pessoas que olhem para ele como se fosse um político credível e confiável.
Como a bota não bate com a perdigota, é natural que as pessoas não elegam de novo a ilusão, o erro e a incompetência.