quinta-feira

A má fé política em Portugal. Evocação de Eduardo Prado Coelho -

Infelizmente o Jumento tem razão nas articulações que faz abaixo. Contudo, a sua conclusão não é, em minha opinião, cabalmente conseguida quando ele refere que quem perde no caso Freeport é apenas Ferreira leite. Creio que, pelos corolários de desenvolve e fundamenta, poderia ter ido um pouco mais longe. Vou, por isso, aproveitando esse filão, explicar o que pretendo.

Uma das características típicas, diria profundamente enraizadas dos portugueses, é serem invejosos. Mais até do que serem corruputos. Não podemos com o sucesso do vizinho, do colega de trabalho, com o "outro" - em geral - só porque apresenta um conhecimento, um estatuto, uma habailidade de que nós não dispomos. Por vezes essa inveja até é de ordem estética, e aqui Sócrates suscita inúmeras invejas. O que até levou Medina carreira, o catastrofista (e moralista) do regime, a criticar que no seu tempo ofereciam pelo Natal quadros a Mário Soares, agora oferecem créditos a Sócrates para ele comprar uns fatinhos. Se calhar o PM já tem os quadros...

Sinais dos tempos... Deus nos livre de Medina ser ministro de qualquer coisa hoje em Portugal, então aí sim - é que nos dissolveríamos no Reino da Espanha em 48h. Ele que vá à sic prestar as suas charlas porque a malta precisa de se rir um bocado. No fundo, ele presta-se a animar a malta, como diz a letra da música do Zeca Afonso. Contributos ou soluções para escapar à crise, nem uma só lhe ouvimos. É mais um analista de sofá com um imenso ego, diria é mais um egocêntrico que ainda não saíu nem da guerra fria nem do séc. XX.

Mas a inveja política é mais feroz e densa, não é só Ferreira leite que perde com o Freeport, é também o cds, o be, o pcp, os verdes e a sociedade no seu conjunto, que até já viu o nosso prestígio afectado fora de portas.

A oposição, em bloco segue no porta-aviões - no intuíto de secar Sócrates através do Outlet, criando-lhe uma pressão tal que o levaria a resignar do cargo de PM. Este desejo reflectia o denominador comum de toda a oposição em Portugal. Por uma razão simples: Sócrates cada vez que vai ao Parlamento - naquele seu estilo acossado mas com o TPC feito, acaba por vencer todos os debates parlamentares. Paulo Portas tenta minar-lhe o terreno mas é o cds que sai enfraquecido; Paulo Rangel - procura inquirir o PM em matéria de política económica - e sai derrotado, o que também não é difícil a avaliar pela falta de liderança e de pensamento de Ferreira leite - que, em rigor, não pensa nada acerca de coisa nenhuma. Restam o pcp e os Verdes - que são a mesma coisa. E aqui de pouco vale enumerar a crise, as falências diárias, o desemprego crescente para atingir Sócrates. Sabemos, pela ciência económica que essa vaga destruidora é global, ou seja, varre tudo, seja nos EUA seja na Europa. Ninguém escapa a ela. Portanto, a crise é estrutural e endémica e agravou-se pela conjuntura mundial.

Obviamente que criar os tais 150 mil postos de empregos é impossível assim. Sejamos sérios. Mas imputar esse fracaso chamando mentiroso ao PM ou pinócrates revela ainda ser mais cabutino e miserável. Fazer isso é considerar, só por má fé seguramente, que é o Sócrates lá em S. Bento que tem a caixa de velocidades da economial mundial, europeia e nacional, e que ele só não carrega nos botões certos porque é estúpido e deseja ver o País afundar-se.

Isto significa que actualmente em Portugal não há alternativa credível a Sócrates - que se tem revelado determinado, dinâmico, reformador e um tremendo workholic. Só por ciúme, intriga e má fé intelectual e analítica é que não se reconhece estas qualidades e valências no homem. De resto, a sua política económica é a mais correcta nesta conjuntura recessiva, e em matéria social é útil que o Estado, agora com as contas equilibradas, proteja os mais fracos e mais dependentes para evitar situações de pobreza extrema - que seriam ainda mais graves se hoje o défice fosse o que era ao tempo de Durão Barroso quando Ferreira leite tinha a pasta das Finanças. Mas como ela come muito queijo e já está idosa, é natural que não se lembre.

E nem o BPN ajudou Sócrates - que agora tem de apagar os fogos criados pelo cavaquismo da geofinança - que subtrai recursos que podiam e deviam ser aplicados na economia real. Mas também se poderá fazer o seguinte juízo, sobretudo para os mais lé-lés da cuca: e se o Estado não fizesse a nacionalização ao BPN - estaríamos ou não - perante mais falências e desemprego?! É óbvio que sim. O BPN não é o BPP...

Portanto, o freeport ao não conseguir catalisar os portugueses para fazer uma proposta à siciliana a Sócrates (que seria obrigá-lo a governar com o revólver encostado à cabeça) perde velocidade, perde energia e, por falta de função, acaba por morrer na praia das manchetes miseráveis dos pasquins à beira da falência que precisam de vender papel, e os escândalos são sempre a melhor forma de o fazer. Logo, não é só Ferreira leite quem perde com o freeport, mas o cds, o be e o pcp.

Todos, na realidade, perdem porque todos, por acção ou omissão, se aproveitaram de Alcochete para ir comprar "meias e cuecas" à outra banda, mas tiveram azar, porque está tudo roto e os elásticos estão requeimados e rebentados de tanto sol. Mais valia terem ido alí à feira de Carcavelos, aproveitavam e até davam um passeio pela marginal do Isaltino, um "autarca exemplar", como sabemos, que com um processo em tribunal se fez eleger autarca do mais rico concelho do País. E ainda me lembro de um amigo me dizer, em plena refrega eleitoral, para o apoiar - em detrimento de Teresa Zambujo, só porque aquele é que seria o cavalo-do-poder. Que pobreza franciscana, meu deus!!! Por aqui vemos os valores, a formação e as motivações de algumas pessoas.

Mas não é só a oposição que vai no porta-aviões que perde em bloco com o caso freeport, são as nossas instituições judiciais e de investigação criminal. O MP, a PGR, a PJ - ninguém andou bem nisto. Todos, com motivações diversas e corporativas, encontraram razões no Outlet para queimar por omissão, promover fugas selectivas de informação - que saltavam dos arquivos do processo directamente para o editorial do jornalista A, B e C. E aqui juntou-se o ódio das corporações à vendetta e necessidade de obtenção de lucro por parte de alguns meios de comunicação social, mormente aqueles que mais graves problemas enfrentam no mercado editorial em Portugal.

Perdeu também a sociedade no seu conjunto, ou seja, cada um de nós que à boleia do freeport se sente na pele do delator, do mesquinho, do invejoso, do verdadeiro filho da p..., sempre disposto a triturar o colega do lado desde que isso represente para ele uma mais-valia: intelectual, de status, de dinheiro ou outra. Só quem não quer ver isto é que não percebe o que se passou com a fuga selectiva de informações - adensadas por uma narrativa perfeita, que até mete tios e sobrinhos. Portanto, o quadro ideal está montado para crucificar Sócrates na praça pública.

O freeport representou a luta política fora do Parlamento, a arma da oposição e dos invejosos para cilindrar aquele que até ódios estéticos suscita porque veste bem, é elegante e faz boa figura dentro e fora de portas. Provavelmente, alguns tugas desejariam em S. Bento uma velha cansada, feia, inepta e mal cheirosa, perfumada com Channel 5, de tamancos à manuel parteiro e a dizer babuseiras de lesa-pátria alimentada a fichas por intelectuais decadentes e maldosos, uma herança genética do maoismo que ficou para sempre.

Portanto, perde a srª Ferreira porque se lhe era vedada a possibilidade ser PM antes do freeport, agora essa possibilidade ainda está mais arredada; perde a oposição no seu conjunto porque - por acção ou omissão - procurou ganhar na secretaria aquilo que não tem conseguido ganhar na leal e legítima dialéctica parlamentar do jogo político democrático.

E perde a sociedade - porque, bem vistas as coisas, e nisto o último artigo que Eduardo Prado Coelho escreveu antes de falecer - revela que, afinal, há um verdadeiro pulha em cada um de nós. Disso não restou a mais pequena dúvida, basta ler alguns blogues mais caceteiros e pseudo-intelectuais para perceber isso mesmo. Ainda que alguns recorram ao velho método de escrever sempre duas cartas sobre o mesmo tema para dar a ideia de que nunca falharam, ou se falharam foi só por 24h., o tempinho para alinhavar outra charla.

Alguém disse um dia que o anúncio perfeito é aquele que faz da audiência cúmplice. Ora, o freeport foi desenhado, montado, peça a peça, para cumprir este desiderato e matar politicamente o PM em funções. Agora numa 2ª edição. Mas com o passar do tempo tem-se verificado que esse estímulo não tem provocado as reacções esperadas ou desejadas pelos seus fautores. O truque no caso freeport era fazer com que fossem as próprias pessoas, no fundo o zé povinho alienado e estúpido, a premir o gatilho para eliminar Sócrates, com os verdadeiros mentores (ocultos) na régie do crime a rirem-se - assistindo ao novel "regicídio" do III milénio em Portugal.

Lamentavelmente, Pacheco Pereira tem sido um dos activos promotores dessa conspiração, e é lamentável que uma pessoa com a sua formação intelectual tenha apostado nessa via, só porque é conselheiro de Ferreira leite. Se ele pensa que assim a ajuda a subir ao cadeirão de S. Bento, engana-se. Ficarão ambos sentados num banco de pau a caminho de Alcochete.

De resto até me parece que Ferreira leite é a personagem política mais insignificante no meio de toda esta tramóia, e por uma razão simples: já se percebeu que só muito dificilmente o PS obterá a maioria absoluta, pelo que irá ter de governar em condições pouco habituais para o perfil de Sócrates. Nesse caso pergunta-se com quem? Com o PSD não é, certamente, logo parece-me mais plausível que num caso de maioria relativa o PS procure coligar-se pós-eleitoralmente com o CDS. A ser assim, também aqui se prova que Ferreira leite não será um personagem secundário, mas um mero figurante.

Na realidade, porque os partidos políticos não esgotam as forças vivas do país, é, de facto, a sociedade e o País quem mais perde com esta bofetada que todos levamos na cara com os efeitos perversos do freeport. E sem pelica. A inveja figura aqui como o carburante essencial para dinamizar toda a acção. É o capitalismo do sentimento mais feroz que nos demonstra que se a oposição não pode bater o homem na arena parlamentar, então vamos abatê-lo alí para o Campo Pequeno, diante da multidão em fúria, da turba enraivecida, como pretendiam alguns comunas mais loucos no chamado PREC.

Agora que essa vontade da turba começa a ser frustrada, e as agulhas dos opinadores começam a inverter a letra e o sentido das suas teorias persecutórias, vem bem ao de cimo o povo que ainda somos: na sociedade, no sindicato, na igreja, na academia, na colectividade, na família, nos transportes públicos - em qualquer espaço onde podemos hoje revisitar essas nossas próprias angústias.

De facto, o freeport, e penso que é nisso que os historiadores de amanhã irão alinhar os seus registos, vai demonstrar que estamos todos doentes e decadentes, que somos homens sem virtudes cuja única forma de ser e de actuar decorre da má fé, da insídia, da pulhice, da, se quisermos ser poéticos, e recorrendo aqui a uma interessante fórmula do poeta Manuel Alegre (que falou bem, ainda que tarde..) - da imagem, sondagem e sacanagem.

Por último, o Freeport veio lembrar-nos uma outra coisa: fazer anúncios era a 2ª forma mais lucrativa de escrever. A 1ª, evidentemente, é escrever bilhetes a pedir resgates. O Outlet, de certo modo, veio sofisticar este enunciado...
PS: Já agora tomo aqui a liberdade de deixar a última prosa de Eduardo Prado Coelho, tem o mérito de nos convidar a reflectir acerca de quem somos. Talvez possamos ser um pouqinho melhores amanhã...
O POVO QUE SOMOS
Eduardo Prado Coelho, antes de falecer (25/08/2007), teve a lucidez de nos deixar esta reflexão.
Eduardo Prado Coelho - in Público
A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres. Agora dizemos que Sócrates não serve. E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada. Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates.O problema está em nós. Nós como povo. Nós como matéria prima de um país.Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro.Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais.Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, lips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos ....e para eles mesmos.Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar menos impostos.Pertenço a um país:- Onde a falta de pontualidade é um hábito;- Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano.- Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e, depois, reclamam do governo por não limpar os esgotos.- Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros.- Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é 'muito chato ter que ler') e não há consciência nem memória política, histórica nem económica.- Onde os nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar alguns.Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser 'compradas', sem se fazer qualquer exame.- Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o lugar.- Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão.- Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes.Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de trânsito para não ser multado.Quanto mais digo o quanto o Cavaco é culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas.Não. Não. Não. Já basta.Como 'matéria prima' de um país, temos muitas coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que o nosso país precisa.Esses defeitos, essa 'CHICO-ESPERTICE PORTUGUESA' congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até se converter em casos escandalosos na política, essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates, é que é real e honestamente má, porque todos eles são portugueses como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não noutra parte...Fico triste.Porque, ainda que Sócrates se fosse embora hoje, o próximo que o suceder terá que continuar a trabalhar com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos.E não poderá fazer nada...Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá.Nem serviu Santana, nem serviu Guterres, não serviu Cavaco, nem serve Sócrates e nem servirá o que vier.Qual é a alternativa?Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror?Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa 'outra coisa' não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados....igualmente abusados!É muito bom ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um Sim, decidi procurar o responsável e
Estou seguro de que o encontrarei quando me olhar no espelho. Aí está. Não preciso procurá-lo noutro lado.
E você, o que pensa?.... MEDITE!
EDUARDO PRADO COELHO*