A normalidade da anormalidade: a nova loucura política
Os tempos desgastam-nos, enlouquecem-nos. Viver é, hoje, um desafio cada vez maior porque a pressão dos problemas e dos acontecimentos empurra o homem para decisões progressivamente irracionais e até absurdas.
Vejamos dois casos distintos, mas que conduzem ao mesmo efeito: a loucura política. Santana Lopes em Lisboa e Gonçalo Amaral em Olhão, no Allgarve.
Lopes é um político profissional, por isso dele espera-se tudo, até concorrer novamente a Lisboa; Gonçalo não o é, e como nenhuma relação tem com o poder local - a sua decisão colhe o País de surpresa. Embora ambas as decisões sejam tão legais quanto legítimas, mas nenhuma está investida duma coisa que hoje falha em abundância aos portugueses: common sense, um misto de razão, dignidade e sentido para as coisas e para a vida.
Neste domínio, quer a decisão de Santana quer a de Gonçalo são duas anormalidades políticas. Naquele caso porque nunca se pede ao "coveiro" que seja o "padrinho" de casamento de alguém; neste caso - tratando-se de um ex-investigador da PJ sem nenhuma experiência política, muito menos autárquica, seria difícil que o perfil se ajustasse à função com sucesso para o desenvolvimento das populações locais que iria governar.
Estes dois casos, e outros, são uma marca dos tempos, da tal loucura que vivemos. Feita de irracionalidade, de absurdo e até de falta de responsabilidade, na medida em que governar a polis não é bem a mesma coisa do que tratar do orçamento lá de casa. Neste conformidade de inversão do sentido normal das coisas, vamos chegando à conclusão que o normal é as pessoas terem uma conduta anormal, borderline, sempre no limite do aceitável: nuns casos para surpreender, noutros por pura estupidez natural mitigada com irresponsabilidade. Noutros casos ainda tratar-se-á de situações patológicas - em que essa loucura se mascára de alguma normalidade mas, na realidade, as pessoas já estão pré-determinadas a envolver-se em situações para que manifestamente não têm vocação ou perfil.
Mas como já não aguentam a vida que têm, procuram novas experiências, criar novos mundos e até novas raízes - afirmando aí uma nova centralidade nas suas vidas. Santana deseja "amar" Lisboa como ninguém, mas Lisboa nunca foi amada por ele; Gonçalo, na sua circunstância, deseja abraçar Olhão - mas sem nunca na vida ter gerido órgãos no poder local.
Podendo até representarem surpresas agradáveis, o mais certo é que o seu experimentalismo à conta do interesse público, dos interesses das populações locais, se salde num rotundo falhanço. E se permitirmos que essas instituições sirvam para experimentalismos ou trampolim de pessoas em fim de carreira ou campo de observatório para assim refazerem as suas vidas - estaremos a penhorar os legítimos interesses das populações apenas para dar uma oportunidade de emprego político da A, a B ou a C - apenas porque são conhecidos da TV ou fazem das aparições públicas um modo de vida.
Numa palavra, a política precisa hoje mais do que nunca de valores e de princípios, mas também de competência técnica, política e cultural. Pensamos que estes valores articulados entre si fazem um bom titular de um cargo público, e no caso vertente não me parece que nem um nem outro reunam esse perfil de "normalidade" exigida para garantir os interesses das populações.
A reconversão profissional ou a necessidade de protagonismo por questões de capricho, personalidade e egocentrismo são critérios demasiado fracos e irresponsáveis para governar o que quer que seja.
O relacionamento com a realidade está hoje alterado (para não dizer subvertido), e a política (local, nacional ou europeia) não deve ser o único depósito ou armazém político para que uma pessoa ou pessoas julguem ser esse o local indicado para tratar a sua doença ou saúde.
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