sexta-feira

Ganhar Tempo - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso.
GANHAR TEMPO António Vitorino
Jurista
É muito curioso ver as reacções que provocou a decisão tomada pelo novo Presidente dos EUA de encerrar até ao fim do corrente ano o campo de Guantánamo e de proceder não só à reavaliação de todos os casos pendentes dos 250 detidos mas também à alteração dos próprios procedimentos das comissões militares encarregadas dos julgamentos.
Os "deserdados" da Administração Bush, tanto nos EUA como noutros países (entre os quais Portugal), apressaram-se a considerar a decisão de Barak Obama como um beau geste, um acto teatral cujas consequências se traduzirão numa vulnerabilidade acrescida à segurança nacional dos EUA. Alguns zelotas, pelo tom, até parece que ficam ansiosamente à espera do próximo atentado terrorista para poderem então vir dizer "nós não dissemos que isto ia acontecer?".
Por outro lado, alguns dos mais exaltados críticos das condições de detenção e de julgamento dos terroristas detidos em Guantánamo de repente parecem ter considerado o capítulo encerrado, assim como quem sai de um pesadelo, mas evidenciam um distanciamento e uma despreocupação com o que se vai passar a seguir que acaba por minimizar o gesto corajoso do novo Presidente americano.
Lamentável é que os responsáveis pela diplomacia europeia não encontrem nada mais para dizer sobre o tema do que "logo veremos o que fazer se e quando os americanos nos pedirem qualquer coisa".
Ora o destino dos detidos de Guantánamo é decisivo para saber quem está de facto apostado em prosseguir a luta contra o terrorismo global fazendo-o com base nas regras fundamentais da legalidade internacional.
Há três grupos distintos de detidos em Guantánamo: os que estão acusados de práticas terroristas (cujos processos vão ser agora revistos caso a caso), os que não estão acusados mas existem informações de que são potencialmente perigosos por acções e ligações a redes terroristas (cujo destino não está ainda clarificado) e os que a justiça americana considera estarem em condições de serem libertados a curto prazo.
A questão de uma eventual colaboração europeia diz respeito apenas a este último grupo (cerca de 60), dos que podendo ser libertados não têm a sua segurança e liberdade garantidas se o forem para os países de origem ou não têm mesmo país de origem ou não é possível determiná-lo com exactidão. É em relação a este grupo que se justificaria um gesto de solidariedade da União Europeia em nome da superioridade moral da luta contra o terrorismo no estrito respeito das regras do Estado de direito.
O primeiro grupo, depois de revistas as acusações, ou será submetido a julgamento nos EUA ou, nalguns casos, poderá ser entregue à justiça dos países de origem para aí serem julgados. Já houve no passado alguns casos destes, mesmo durante a Administração Bush.
O segundo grupo é, por paradoxal que pareça, o mais problemático. Sendo inadmissível uma situação de detenção sem culpa formada por tempo indeterminado (podendo beneficiar de um habeas corpus como já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal americano), é também problemática a avaliação do seu grau de perigosidade e consequentemente do eventual risco da sua libertação. Mas os que vêem na decisão de Obama uma relevante ameaça potencial à segurança dos EUA escondem que já a Administração Bush, nos últimos anos, procedeu a várias libertações de Guantánamo, sabendo-se hoje que cerca de 60 dessas pessoas libertadas acabaram por retomar a actividade terrorista, tendo vindo a ser responsáveis por raptos no Paquistão, sublevações em prisões no Afeganistão, reforço das forças talibãs neste país e até pelo atentado à bomba contra a embaixada americana no Iémen que matou 16 pessoas...
Estes casos demonstram a complexidade das decisões a tomar e o bem avisado que foi o Presidente dos EUA em diferir no tempo o encerramento do campo de detenção para ponderar, caso a caso, as melhores saídas a tomar. Infelizmente em vez de aproveitarem esta posição americana para retomar as negociações da Convenção Global contra o Terrorismo nas Nações Unidas, que clarificasse as muitas questões que a luta antiterrorista coloca aos Estados de direito e à legalidade internacional, os europeus preferiram apenas ganhar tempo... É pouco, convenhamos!
Obs: Divulgue-se pela clarividência dos pontos de vista expendidos por António Vitorino, os quais poderiam ser racionalizados pela UE - que deveria fazer da questão dos direitos humanos, da luta (coordenada) ao terrorismo global, suicidário e catastrófico - uma importante linha de acção transatlântica. Até porque o problema é global(itário) e não exclusivamente americano, como alguns utópicos do III milénio querem fazer crer.
Guantánamo é, assim, o primeiro barómetro para duas intenções políticas na arena internacional: encetar boas relações políticas com o novo Presidente da América, Barack Obama, que precisa de urgente ajuda europeia nesta delicada questão; e dar um sinal claro aos radicais e fanáticos que do arco muçulmano que vai de Marrocos até à Indonésia - que alimenta o fundamentalismo religioso, fonte de recrutamento para inúmeras acções terroristas amiúde pelo mundo, deixaria, preventivamente, de fazer sentido.
Até porque Obama suscita menos ódios e animosidades do tipo clash of civilizations - que os que lhe precederam na Sala Oval, eis uma das grandes vantagens da raça na configuração das constelações políticas globais do mundo contemporâneo. Factor que deve ser racionalizado não apenas pela América como também pela Europa.
O nosso MNE, Luís Amado esteve bem ao levar a ideia à Europa, restando, doravante, a essa imensa Europa a 27 cabeças - entender-se quanto à estruturação duma política de segurança & defesa que também passa pela resolução dos resíduos do 11 de Setembro de 2001 (de que Guatánamo foi uma consequência), que alteraram não apenas a face do mundo, mas também a nossa própria percepção da realidade. Uma percepção que deverá passar a integrar como campo de hipótese plausível de que, após o 11 de Setembro, tudo é possível. Até converter aviões comerciais em mísseis contra edifícios civis no pleno ventre das megapolis, matando milhares de pessoas inocentes de uma só vez. Ora, é isto que a Europa terá de compreender e recordar - para não tipificar o terrorismo como um assunto cicrunscrito à terra do Tio Sam. Espanha, já provou que assim não é.
Revelar fissuras neste delicado dossier é demonstrar à Administração norte-americana que a Europa é um saco de gatos, e se calhar aquela velha (e irónica) afirmação de Henri Albert Kissinger de que desconhecia qual era o número de telefone da Europa (demonstrando a sua divisão) - faz algum sentido.
Relativamente a este tema, estranhamente, o mundo desconhece o que pensa Durão Barroso que, as usual, deve andar mais ocupado a reunir à sucapa os apoios politico-diplomáticos dos cabeças de cartaz europeus a fim de granjear os votinhos que lhe garantam um 2º mandato bruxelense.
Com Durão é assim: primeiro eu, depois eu, e só depois é que se fala na Europa.