Cavaco e a política. A arte do possível para não ir ao fundo...
Belém precisava urgentemente duma "muleta" que o compensasse pela maior derrota política de sempre e pelo maior abalo psicológico em toda a sua carreira pública - representada pela derrota do Estatuto dos Açores - que foi obrigado a promulgar.
Ainda se pensou que a 31 de Julho de 2008 o psicodrama de Cavaco nos media versasse sobre um tema económico candente, como o desemprego, a criminalidade ou até a dificuldade económica que os pequenos empresários, que engrossam a maior fatia do nosso tecido económico sentem em Portugal. Tanto mais num tempo e numa conjuntura de globalização competitiva - pautada pela extrema mobilidade dos factores de produção nesta Europa de fronteiras escancaradas - em que a ausência das velhas compartimentações económicas e politico-administrativas tornavam ainda mais indefesos e vulneráveis a competividade e a concorrência do pequeno comércio com os "tubarões" das grandes superfícies que o "sr. Sonae" representa hoje em Portugal no sector da Distribuição. Mas o tema escolhido pelo PR foi, pasme-se (!!!) - o Estatuto dos Açores. O país ficou virado e irado e não lhe perdoou pelo abuso de comunicação para relatar uma questão especiosa de ordem tecnico-jurídica que remetia para a esfera dos gabinetes e devia ser, ab initio, enviada para o TC e aí serem expurgadas as inconstitucionalidades encontradas no diploma - que teve de promulgar depois do PSD ter votado a afavor e, no final, se ter abstido - na célebre cambalhota "para-lamentar" de Paulo Rangel..
Hoje, restrospectivamente, pode-se legitimamente perguntar por que razão Cavaco - até porque é oriundo do meio rural e tem na família exemplos que são de louvar, não defendeu activamente os pequenos comerciantes há mais tempo (???), os mesmos que diáriamente são engolidos pelas margens de manobra económica dos "golias" representados pelos hipermercados, as grandes superfícies - contra quem é difícil competir? Porquê só agora????
Até nos seus roteiros pelo desenvolvimento em prol do Portugal profundo - Cavaco nunca foi tão enfático como foi em defender e promover uma classe socioprofissional - que agora tem uma legitimidade acrescida para pressionar o Governo em legislar e apoiar o sector do pequeno comércio - que aguenta muitos postos de trabalho e mantém muitas famílias em Portugal. Não será isto uma injustiça para os pescadores, para os camionistas, para os taxistas e até para os jovens licenciados - que ao termo duma licenciatura são, precisamente, as caixas dos supermercados do sr. Sonae - aquilo que os espera... Não haverá aqui alguma demagogia, oportunismo, populismo de Cavaco ao tentar agarrar-se à prancha dos pequenos comerciantes nesta fase de mar revolto em que ele próprio caíu ao desafiar gratuitamente a maioria rosa no Parlamento com o tal Estatuto insular?
Tudo isto é sério e legítimo, e a preocupação de Cavaco é, seguramente, legítima e séria. Mas pode-se sempre perguntar por que razão Cavaco só agora, após a derrota do Estatuto dos Açores, o PR ficou tão preocupado com os pequenos comerciantes???
A resposta é, naturalmente, política: Cavaco precisava, como de pão para a boca, de não se deixar afundar pela opinião pública. A sua credibilidade e autoridade ficaram fortemente diminuídas. Cavaco esvaziou-se, e a sua imagem, mais do que nunca, convergiu para os manequins antigos da rua da Prata, com dedos e pernas partidas. Era imperioso debitar uma mensagem forte e incisiva em prol de algum grupo sociprofissional. Alguém socialmente fraco e com alguma expressão socioeleitoral investido com algum capital-de-queixa funcional junto do Governo que, pelas condições difíceis que atravessa, gozaria de uma certa simpatia e até compaixão por parte da opinião pública. Foram os pequenos comerciantes os eleitos, tantas vezes esquecidos, mas que agora deu um tremendo jeitaço Cavaco recuperar. Digamos que saíu o Euromilhões ao pequeno retalho.
Não faria sentido Cavaco pôr-se do lado de Ricardo Salgado Espírito Santo ou de Belmiro de Azevedo, ou mesmo defender que o BPP de João Rendeiro, Balsemão e Jordan deveriam merecer um apoio a fundo perdido por parte do ministro das Finanças. Também não faria qualquer sentido Cavaco defender que o ministro da Cultura deveria aumentar os apoios directos e indirectos aos mecenas em Portugal, numa medida encapotada só para beneficiar "big" Joe Berardo - o homem que mais criticou a "Ci-Vi-Éme" em Portugal e, de caminho, chamou "velho xé-xé" ao engº Jorge Jardim Gonçalves - do BCP - a quem mandou, por mais de uma vez, calçar as pantufas como quem reforma compulsivamente um mero funcionário das alfândegas por não respeitar as horas de trabalho e estar sempre encafoado na internet, como um taradinho adolescência com a pele cheia de acne.
Embora Cavaco tenha sido o PM que mais e melhor governou em prol dos chamados ricos em Portugal, que fomentou a emergência da classe média em Portugal, aparece hoje, do farol de Belém, preocupado com os donos do pequeno comércio de bairro, com os proprietários das retrosarias, padarias, pastelarias e restauração em geral. É bonito isto.
Confesso que este tipo de sentimentos só lhe ficam bem, mas não sejamos ingénuos nem parvos... Cavaco viu na sua mensagem de Ano Novo uma ponte para não ficar no meio dela com os jacarés cá em baixo à espera que o locatário de Belém caísse completamente.
Cavaco olhou para a paisagem dos sectores socioprofissionais em dificuldades, e elegeu os pequenos comerciantes e pensou que seriam eles, e não os ricos, porque a conjuntura a isso aconselhava, que funcionariam como a sua tábua de salvação. Acertou desta vez.
Esperemos, doravante, que Cavaco deixe d'ir fazer as suas compras às grandes superfícies e passe a consumir nas padarias, pastelarias e retrosarias de bairro. Se assim for, esses votinhos, pelo menos, eles já não os perde - assim como o poeta Manuel Alegre não perderá os seus junto das camadas mais poéticas da população.
Governar, ou melhor, presidir ao País a partir do farol de Belém, também é isto: um misto de arte e técnica no exercício do poder, temperado pelo caldo de oportunismo político e também saber gerar alguma compaixão nos portugueses sobre aqueles que nunca tiveram uma vida facilitada como esses heróis que são os pequenos comerciantes em Portugal.
Parabéns prof. Cavaco. Desta vez foram os pequenos comerciantes a pagar (a sua) factura política.
Assim, já não ficará no meio da ponte e conseguirá restaurar boa parte da autoridade perdida com o psicodrama açoriano inventado a 31 de Julho de 2008.
Pela parte que me toca, hoje já fui à padaria do meu bairro comprar uns papo-secos..., para ajudar na causa (cavaquista)...
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Ilusionismo Sensacional
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