sexta-feira

PREVISÕES - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso.

António Vitorino, Jurista

Em cada ano que passa formulam-se os melhores votos para o seguinte. Ainda que todos saibamos que na manhã do novo ano vamos encontrar os mesmos problemas no exacto ponto onde os deixamos na véspera, a esperança de que se abra um novo ciclo no ano que entra reedita-se ciclicamente e faz parte integrante da regeneração da nossa própria memória e da relação que mantemos com as incertezas do futuro.

Mais do que adiantar previsões para o ano que entra seria interessante ter acesso às que se fizeram sobre o ano que acaba de sair. Apenas para avaliar a distância entre umas e outras e, se possível, aprender com os erros de avaliação e de expectativas.

Sem ir aos pormenores dessas previsões, a grande diferença em relação a 2008 é que 2009 começa sob o signo de uma crise global com contornos, dimensão e duração que ninguém arrisca a definir no pormenor. Há quem dê o ano por perdido para a crise, e por isso deseje que ele... passe depressa, para que 2010 marque o horizonte da recuperação! Há quem o veja como a ponte de passagem para o seguinte, onde a crise persistirá também, pelo que a continuidade das dificuldades será a matriz dos tempos longos que nos esperam. Mas há também quem sacuda o fatalismo das previsões e coloque a ênfase naqueles factores que já no ano que ora começa podem provocar uma inversão do rumo!

Ora, no Ano Novo que entra, o principal factor de esperança é, sem dúvida, a nova liderança americana. Os seus primeiros cem dias serão decisivos para definir um perfil e uma via de acção. Mas ao mesmo tempo, serão cem dias marcados pelo "paradoxo genético" da Presidência de Obama: as expectativas estão tão altas que, por muito que faça, a probabilidade de desiludir é enorme; mas ao mesmo tempo, parte de uma Administração americana e de uma situação política e económica tão deprimida e deprimente que o que fizer terá sempre o crédito de uma melhoria!

Perante este paradoxo, o que o novo Presidente americano pode aspirar (e até exigir) é que a sua acção seja avaliada de forma justa e serena, em função dos méritos e deméritos do que vier a fazer.

Consciente disso, Obama já foi avisando que a situação ainda vai piorar antes de começar a melhorar...

Tal afirmação pode ser tida como uma forma prudente de gestão antecipada de expectativas? Sem dúvida, tanto mais que numa crise de confiança como a que vivemos, é exactamente pela gestão cuidada das expectativas que haverá que começar! Mas talvez um pouco mais do que apenas calculismo político. Quando Obama sublinha que a nova vontade de empenhamento dos EUA na resolução dos problemas do mundo, desde a crise económico-financeira até aos conflitos regionais, passa por um sentido de partilha das responsabilidades e do fardo na procura de soluções, a mensagem é clara: com a nova Administração, os EUA não deixarão que outros parceiros essenciais com vocação global se coloquem na confortável cadeira do espectador ou no mero protagonismo moralista típico dos críticos de bancada. Não é, contudo, claro se os assim interpelados já perceberam em toda a sua extensão o que tal partilha vai exigir deles, a começar, aliás, pelos próprios europeus...

Obama sabia que seria rapidamente posto à prova e que muito provavelmente os primeiros a "testá-lo" seriam até alguns aliados próximos.

Se outra prova precisasse, Israel não perdeu tempo a demonstrar que o novo Presidente americano tinha razão. A ofensiva em Gaza responde a uma continuada agressão das facções radicais do Hamas sobre o território israelita e pode explicar-se pela proximidade das eleições em Israel, onde o principal partido no poder tem que dar provas de consistência para efeitos políticos internos. O momento escolhido, contudo, não corresponde nem a nenhuma ofensiva acrescida dos palestinianos nem a nenhum recrudescimento dos atentados terroristas.

Porquê então agora uma tal acção militar tão violenta e cujo objectivo proclamado (a destruição da capacidade militar do Hamas em Gaza) se sabe de antemão não resolver nenhum problema, à semelhança de ofensivas anteriores que apenas acabaram por reforçar as próprias posições do Hamas junto das martirizadas populações palestinianas? A resposta é simples e chega já a 20 de Janeiro!

Obs: Em matéria de previsões, por entre a liderança norte-americana e o conflito emergente israelo-palestianiano como sistematiza António Vitorino, é bom relembrar uma tirada de Nicolau que dizia que em ordem a conhecermos o futuro é bom conhecermos o passado.

O que significa que ficamos sempre "entalados" com o "tempo" presente que temos nas mãos (mais os problemas que ele encerra), até porque os tempos passado e o futuro - só existem em memória e em projecção. Mas pode ser que haja um milagre, e a existir que seja oriundo dos EUA de Obama - que ao revitalizar a economia interna empreste também um novo fôlego à Europa e ao mundo para recuperarem a confiança perdida e pôr os mercados a funcionar, as empresas a produzir e a vender e as famílias as consumir.

Nunca a América foi tão importante para a Europa e para o mundo como hoje - desde 1938-45. Embora hoje a guerra seja outra..., e morre-se na mesma.

Talvez em momentos de crise e até de recessão - os mandatos e as eleições devessem ser semestrais, não por qualquer analogia torpe com a propugnada pela líder da oposição, Ferreira Leite, mas porque, assim, teríamos obra feita de seis em seis meses.

O que seria uma boa previsão em períodos conturbados.