Robert Musil, Da Estupidez.
Na vida de todos os dias entende-se geralmente por homem estúpido
alguém que é "um tanto fraco da cabeça". Mas existe uma grande
variedade de anomalias intelectuais e psíquicas capazes de entravar,
contrariar, desencaminhar até uma inteligência naturalmente intacta,
que se chega finalmente, mais uma vez, a qualquer coisa para a qual a
linguagem não dispõe ainda, uma vez mais, de outra palavra que não a
de estupidez. Este termo engloba, pois, duas espécies no fundo muito
diferentes: uma estupidez honesta, simples, e uma outra que, muito
paradoxalmente, pode mesmo ser um sinal de inteligência. A primeira
diz respeito sobretudo a uma fraqueza geral do entendimento, a segunda
a uma fraqueza deste em relação a um objecto particular; é, de longe,
a mais perigosa.
A estupidez honesta é um pouco lenta em compreender, não tem a
"compreensão fácil", como se diz. Pobre em representações e em
vocabulário, não sabe muito bem como se servir dele. Prefere o banal,
cuja frequência torna a assimilação mais fácil; e quando assimila
qualquer coisa, não tem muita predisposição para consentir que lha
retirem logo em seguida, nem para permitir que a analisem, ou para
jogos de ambiguidade em relação a ela. Tem, de resto, uma boa parte
das "faces felizes" da vida! Parece sem dúvida muitas vezes confusa na
sua reflexão, facilmente paralisada por qualquer nova experiência; de
imediato, agarra-se ao que é acessível aos sentidos, àquilo que ela
pode, de algum modo, contar pelos dedos. Numa palavra, é a brava "pura
estupidez"; e se ela não se mostrasse por vezes desesperadamente
crédula, confusa e incorrigível, seria um fenómeno absolutamente
agradável.
in Da Estupidez, Robert Musil
PS: Agradeço à Teresa o envio deste interessante texto. A meditar por todos - e cada um de nós - que tantas e tantas vezes somos os fiéis intérpretes de tanta e estéril estupidez. Que deve ocorrer nos feriados que parte do cérebro se reclama para se vingar daqueles neurónios mais inteligentes.
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