segunda-feira

Marcelo: o regresso do malabarista político.

Consabidamente, o grande dote de Marcelo é a sua fluência oral, comunicando mesmo quando está calado. Consegue falar meia hora, uma hora, duas horas sem secar as audiências e isso, convenhamos, é um activo que muitos de nós não conseguimos fazer. Mas aquilo que Marcelo tem em oralidade falta-lhe em experiência política, em visão para o País, e, bem entendido, também coragem política.
De resto, a oralidade integrada na capacidade de comunicação é importante em política, mas não é determinante. Como não foi, de resto, quando em 1997 Marcelo liderou e escavacou o PSD - saindo depois pela porta do cavalo da política - quando o partido do táxi, o cds de Paulinho Portas, mandou às urtigas aquela aliança contranatura top-down que marcelo fez à força só para dizer ao país que conseguia coligar-se para ser politicamente mais forte. Viu-se, saíu enfraquecido e derrotado.
Além de um considerado professor de direito, Marcelo o que mais fez na vida (??), além dos pareceres enquanto jurisconsulto e de ter gerido o Expresso de Balsemão - a quem depois chamou de "Lé-lé da Cuca" - motivo que o obrigou posteriormente a ter de pedir desculpa ao presidente da Impresa. Fez a tal aliança com Paulinho Portas e deu, anos antes, um mergulho no rio Tejo - quando perdeu as eleições para a autarquia de Lisboa - para Jorge Sampaio.
Hoje Marcelo marca o seu regresso. Volta a falar de Cristo, o que é um abuso, reconhece que a srª Ferreira leite, não tem capacidade de liderar coisa nenhuma, e, nesse quadro, mesmo com Pedro Passos Coelho à espreita, Marcelo admite, após o estrago das eleições legislativas de 2009, avançar para a liderança do PSD. Mas como marcelo nunca diz aquilo que pensa, dois cenários podem estar sobre a mesa:
1. Marcelo, diante do descalabro deste intermezzo chamado Ferreira leite, posiciona-se na corrida à boca das eleições legislativas (em função duma vaga de fundo), qual blitzkrieg, surpreendendo as bases e, assim, gerar uma nova dinâmica e mobilização no PSD. Nem que para isso tenha de dar outro mergulho no Tejo, talvez a partir do terraço de um edifício do Parque das Nações. Talvez a "Voda-voda" venha a comprar esse passaporte e patrocine o novo mergulho de Marcelo na política à portuguesa;
2. Ou então, Marcelo, ao lançar esta sua possibilidade está a precipitar Passos Coelho para a liderança do psd, pressionando Sócrates e, no limite, aproveitar o seu tempo de antena pago com os nossos impostos para, desde já, fazer campanha eleitoral - aproveitando a RTP para fazer o seu tempinho de antena. Ao mesmo tempo, procura dizer ao País que o vê que os votinhos perdidos pela total ineptidão de Leite para a vida política também não escorregam fácilmente para o BE ou para o PS, vq, o super-marcelo está alí, disponível para executar o novo mergulho. Desta vez, com mortal encarpado e uma ou duas piroetas.
Era de esperar. Percebemos isto se nos atermos a algumas das características internas da personalidade política complexa de portuguesa - que hoje está obrigada a decidir "matar o bode" e expiar os pecados em que o PSD caíu na última meia dúzia de anos, sobretudo a partir do momento em que Durão barroso faz a sua fuga para Bruxelas na sequência da cimeira dos Azores - e das ajudas políticas que os seus aliados, Bush e Blair - lhe dão.
Barroso consegue atingir os seus objectivos pessoais, chegar à Comissão Europeia, mas deixa o PSD no fundo do poço, do qual ainda não saíu, posto que Mendes, Santana, Meneses e, agora, Ferreira Leite - só agravaram mais a situação de desânimo nas bases do partido, o que faz com que o País olhe para o psd com um sentimento misto de desconfiança e descrédito. O que são, convenhamos, boas ajudas para Sócrates...
Mas Marcelo, para centrarmos a análise, gosta de simplificar as coisas, servindo-se de pequenos slogans, que exprimem uma ideia com a força de uma evidência, embora depois não dê concisão nem consistência às suas tomadas de posição mui beatas, servindo-se até da figura de Cristo - para seduzir alguns cristãos mais incrédulos. Portanto, observar a regra da simplificação - só - não basta.
Depois marcelo, porque sabe que fala bem e adora ouvir-se, apesar da escassa profundidade e reflexividade com que avalia os fenómenos sociais com peso político, já para não falar dos fenómenos internacionais que domina assim-assim, valendo mais as breves reflexões de António Vitorino do que o teatro de Marcelo, recorre ao velho expediente da ampliação das suas prédicas domingueiras para avisar as hostes que ele está alí, disponível "para o que der e vier". Só que Marcelo se esquece que esse seu voluntarismo pode ser mais penoso do que virtuoso, talvez por isso muita gente no fórum da tsf tenha dito e redito que Marcelo é um "incompetente político". Marcelo pode ampliar o seu eco através da RTP, mas isso faz com que oculte outros aspectos da vida política e distorça outros tantos.
Além da simplificação e da amplificação Marcelo não se dispensa de ser o chefe da banda, o orquestrador que vai distribuir a música aos músicos de serviço: Passos Coelho ficou a saber que ainda tem de engolir Marcelo, caso queira a liderança da Lapa, e Santana... Bom, esse deve ter tido um ataque de caspa ao ouvir ontem Marcelo admitindo a possibilidade que "Cristo pode descer à terra". De modo que o putativo regresso de Marcelo em vez de unir ainda fragmenta mais.
O que Marcelo pretende, então???
É simples: Marcelo quer fazer a lei da transfusão funcionar a todo o vapor, ou seja, finge-se interessado na corrida à Lapa - com isso interessa as pessoas levando-as a empenharem-se mais na vida interna do partido e, depois, o bom do Marcelo diz que o que ele quer é Belém, o resto foi para aquecer os motores e dar vida ao partido, moribundo com Ferreira leite. Com isto Marcelo pode conseguir realizar um objectivo: adaptar aos diferentes públicos/eleitorados aquilo que se pretende atingir: tirar a maioria absoluta a Sócrates e à maioria socialista. É uma grande "vitória"..., Portugal agradece.
Em termos estratégicos Marcelo, com aquelas suas declarações ontem na RTP, pretende criar a ilusão de uma aparente vontade em torno da sua pessoa, centrar o élan nele próprio, porque sabe falar muito bem (ao invés de Ferreira leite que fala muito mal) e, com isso, explorar o desejo que os homens e mulheres em Portugal querem ser mais iguais entre si.
Numa palavra, Marcelo tem aproveitado muito a RTP para fazer simultaneamente comentário político e política partidária. Ainda recebe dinheiro por isso, consolida e engrossa a sua notoriedade, cria uma ilusão terrível nos cristãos novos e velhos do psd de que o sacristão-mor pode estar no átrio da Igreja com o saco das esmolas para distribuir aos pobres, e com os pedacinhos de pão para dar aos pombos mas, no final, Marcelo só pensa em Belém e nos seus próprios botões.
Sócrates e o governo socialista têm sido muitas vezes acusados de uma desenfreda propaganda política nos media, mas receio bem que o governo todo junto ainda terá de perguntar a Marcelo como é que isso, na realidade, se faz...
Marcelo, no fundo, é uma espécie de génio da lâmpada fundida. Ele pensa sempre em tudo, mas esquece-se que a lâpmda está fundida, além da sua estratégia se revelar sempre uma faca de dois gumes para os próprios propagandistas.