sexta-feira

Os desiludidos - por António Vitorino -

Só falta um..., dirá W.
Será que Manoel de Oliveira, à semelhança de Oliver Stone, também irá fazer o seu W. por cá?!
  • O sublinhado é nosso. António Vitorino disserta sobre o rescaldo das eleições norte-americanas, por entre os escombros de órfãos e viúvas...
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Cometem um duplo erro.
Os índices de apoio à eleição de Obama na Europa são muito mais transversais no espectro político do que nos querem fazer crer. Eles exprimem mais o cansaço com a política americana destes últimos anos e o impasse a que chegou a relação transatlântica do que propriamente uma identificação ideológica em sentido estrito.
Por outro lado, esse apoio e a atenção com que toda a eleição presidencial americana foi seguida aqui no Velho Continente constituem o mais eficaz antídoto contra o sentimento anti-americano tanto de sectores da esquerda como da direita europeia.
Logo, nem a vitória de Obama é apropriável pelo conjunto da esquerda europeia nem representa um momento de reconversão de certas direitas europeias.
À esquerda, as correntes antiamericanas provavelmente até teriam preferido que prevalecesse uma lógica de quanto pior melhor, uma lógica de continuidade em relação à cessante Administração americana. E à direita a linha de demarcação é bem mais ideológica: independentemente dos erros e das falhas da candidata a vice-presidente Sarah Palin, é ela e o que representa que verdadeiramente mais entusiasmam os que agora carpem mágoas pela derrota de McCain.
No meio disto tudo será fácil fazer de George W. Bush o bode expiatório da derrota republicana. Claro que a impopularidade do Presidente cessante terá pesado no resultado eleitoral (não tanto o Iraque, mas sobretudo a crise financeira, preocupação maior de quase dois terços dos eleitores americanos a 4 de Novembro). Mas o resultado desta eleição é também o julgamento (e sanção) de oito anos de hegemonia neoconservadora, cujos resultados estão à vista. Importa que tal sanção não seja levada apenas a débito da inépcia do ainda Presidente, deixando passar entre as malhas do resultado os seus autores morais.
E é aqui que reside a fonte da vitória de Obama. Para além de beneficiar da crise financeira (a qual lhe permitiu algumas tiradas mais eleitoralistas de que ainda poderá vir a arrepender-se no futuro), a grande linha de demarcação foi a de um contraponto ideológico e até cultural, um sentido de coesão e de respeito pela diversidade, expresso tanto no plano da política interna como no da política externa. Por isso, a primeira prioridade do novo Presidente será a de reunificar política e culturalmente a América em torno dos valores que os eleitores sufragaram tão expressivamente, o que aqui e além poderá até desiludir alguns dos seus apoiantes europeus... Mas nenhuma ingenuidade é consentida: Obama foi eleito Presidente dos EUA e é em nome e em função dos interesses da América e dos americanos que irá governar!
A eleição de Obama tem um significado simbólico incontornável, tratando-se do primeiro Presidente proveniente da comunidade de origem africana. Nesse significado vai um mundo de sentimentos e de esperanças que apela ao imaginário colectivo não apenas nos EUA mas também à escala planetária. Mas por muito importante que seja a eleição de um Presidente de raça negra, não seria justo para o próprio Obama que a sua eleição se reconduzisse apenas a essa dimensão histórica e simbólica. Aliás a forma como Obama calibrou a questão racial durante os dois anos da sua campanha pode ser considerada magistral e a sua eleição premiou essa clarividência e esse sentido de equilíbrio.
A eleição de Obama representa também uma janela de oportunidade de relançamento da relação transatlântica, essencial tanto para os EUA como para a Europa. Perante a magnitude dos problemas com que estamos confrontados, o sucesso desta reaproximação dependerá tanto da forma como Obama a liderar como da resposta conjunta que os europeus estiverem dispostos a dar-lhe.
Cabe agora ao resto do mundo aproveitar o espaço aberto pela eleição de Obama. Até porque a maior desilusão é sempre aquela que vem de não fazermos aquilo que nos compete a nós próprios fazer.
Obs: Envie-se xerox para Obama e convide-se o homem a vir a Portugal comer uns pastelinhos de Belém e visitar o Planetário da Gulbenkian e a coleccção big Joe Berardo ao CCB, após ter sido recebido por sua excelência o sr. professor Cavaco e Silva - que não sei, ainda hoje, por quem torceu nas eleições na América...
Mas não me será difícil adivinhar, até por questões geracionais. Locatário de Belém que hoje, seguramente, deverá estar bem mais preocupado com a interrupção do regular funcionamento das instituições da ilha do Alberto joão da Madeira, ou seja, na terra de quem lhe chamou o "sr. Silva."