quinta-feira

O Estado deixa [ou não] cair a nota? Intervém ou não na economia?! Quantum of Solace.

ESTADO = QUANTUM OF SOLACE
Uma das grandes questões do nosso tempo é saber se o Estado deixa ou não "cair a nota", ou seja, se intervém em força na economia ou, à contrário, permanece sentado, quieto e estático (com silencioso) - bem ao estilo da líder da oposição, a srª Ferreira leite. E com muitos pessimismos pelo meio que ainda deprimem mais os tugas. Razão por que a srª Ferreira leite ainda passará a ser chamada pela "srª Lexotan".
Não sendo eu economista, embora também não se trate duma ciência exacta, recorro à teoria de um jornalista económico experimentado, como é Camilo Lourenço, para apresentar uma tese mais confinante com o "pensamento" de Ferreira leite.
Diz Camilo no seu artigo de hoje no JN (que aqui cito na íntegra):

Mais adiante o mesmo Camilo acrescenta:

O problema é que a recessão que aí vem não é uma recessão normal. É o resultado de uma violenta e imprevisível crise financeira, que rarefez o crédito e que o tornou demasiado caro. Ou seja, se há coisa que o Estado não pode fazer desta vez é utilizar a seu critério a despesa pública para estimular a economia. Por causa do custo para o orçamento do Estado (e para os particulares que queiram fazer as obras públicas em project finance); da degradação do rating da República; e do efeito que estimular a economia pelo consumo terá no défice externo (já de si em números proibitivos). Executar o plano inicial de obras públicas do Governo é uma aventura perigosa. E, ao contrário do que diz o Sócrates "vendedor", recusar entrar nessa aventura não tem nada a ver com diferenças ideológicas entre partidos políticos. Tem a ver com bom senso. Como até Silva Lopes, um homem de Esquerda, lhe poderá explicar."

Com o devido respeito por Camilo Lourenço e pela sua referência intelectual em economia e em Finanaças Púbicas, Silva Lopes, impõem-se, talvez, ver um pouco para lá do óbvio e do linear das coisas. O que implica falar mais de história e de sociologia económica do que propriamente cingirmo-nos à economia, que é uma ciência cada vez menos exacta (como a própria Ciência Política): uma e outra estão ambas dentro do caldeirão da incerteza, nenhuma delas conseguiu prevenir nem a queda do Muro de Berlim há 20 anos nem o subprime recentemente, para não ir mais longe. Por isso temos de ser humildes, ou seja, pouco peremptórios nas afirmações (mormente em economia) - que é coisa que o sr. prof. Silva Lopes - que Camilo cita - não é. De resto, fala com tanta certeza que até creio que as suas próprias referências há muito se desactualizaram.

Os grandes economistas de renome mundial não pensam como Silva Lopes, felizmente. Porventura, conhecerá Silva Lopes algum do pensamento de Paul Krugman...

Já para não falar no catastrofismo constante e agudo de Medina Carreira (que se calhar nem uma retrosaria conseguiria gerir) - e que se um dia fosse PM de Portugal nem a estátua do Marquês de Pombal ficaria de pé, tamanho o vendaval de acontecimentos tenebrosos que aí viriam. Seguindo a tese desse nostredamus à portuguesa, empresários pelo burgo, nem vê-los...

Feita esta nota, vamos ao essencial - que na sociedade industrial, por exemplo, a chamada auto-regulação dos processos económicos ou até dos processos sociais, esperados com o liberalismo, não funcionaram na medida do exigível. O que deixou as famílias, as empresas e as pessoas insatisfeitas. E numa sociedade insatisfeita, frustrada, abandona a si própria, formam-se grandes desequilíbrios de poder económico, incapazes de atingir à tal harmonização justa dos interesses numa dada sociedade.

Porque em causa está o projecto de modernização e desenvolvimento da sociedade portuguesa, e o Camilo Lourenço só fala na carestia do dinheiro e na sua rarefacção. Apontando, nas suas premissas, para as conclusões (políticas) paralisantes da srª Ferreira leite. Ou seja, na prática, se o Estado - e o sector público fossem geridos à luz deste paradigma de que o dinheiro está caro, a crise financeira é nova e não se deixa definir, ninguém investia, a economia estagnava numa semana, e até os portugueses deixariam de consumir porque a fome e as necessidades naturais do organismo também já teriam hibernado. Seria a invenção do "homem-urso".

Por outro lado, o próprio mecanismo do mercado, assente no livre jogo das forças falhou. Falhou ainda mais do que o Estado. Com base nas liberdades "liberais" desenvolvem-se processos de concentração de empresas, formam-se cartéis e, no limite, até se usam meios de concorrência ruinosos, eliminando o pouco que resta da concorrência saudável ainda existente no mercado. Mas o mercado come o mercado, a boa concorrência é engolida pela concorrência perversa, e lá se vão as "liberdades (dos) liberais".
A crise mundial de 1929, também demonstrou a incapacidade da economia para a auto-regulação conjuntural, que deve ser aquilo para que aponta os ditâmes gastronómicos da srª Ferreira leite quando diz ou questiona a bondade do investimento público como forma de alavancar a economia e induzir algum efeito de crescimento, consumo e bem-estar. Para a srª leite será preferível estar sentada sob um chaparro à espera que a crise passe, para depois actuar. Hoje, confesso, nem já os alentejanos pensam assim. Estes procuram ser pró-activos.
Paralelamente, as crises bancária e monetária de 1929 evidenciaram que a regulação e o controlo são imprescindíveis neste sector. Até para enfrentar com êxito os poderosos grupos de pressão e associações sectoriais detentores de enorme influência, muitas vezes desproporcionada, que actuam sobre o governo e a produção legislativa, cujas leis esperam seja sempre conforme aos seus interesses, e não hesitam em colocar aquelas instâncias políticas sob ameaça de chantagem ou extorsão. Eis o que sucede quando o Estado não é suficientemente forte para actuar e harmonizar os interesses contraditórios da sociedade.
Mas atenção: Estado forte não significa Estado autoritário. E sociedade civil vigorosa também não significa Estado fraco. Alexis de Tocqueville explicou isto majistralmente há mais de 200 anos..
Mas o dinheiro hoje é escasso e caro, o risco de endividamento das futuras gerações em projectos públicos também potencia o risco e ameaça as consciências, por isso o melhor mesmo é, na linha da srª Ferreira leite, ficar sentado debaixo do chaparro esperando que a crise passe.
Então a função do Estado - também não é a da "administração da própria escassez"!? Cremos que sim. Ainda ontem o Estado fez isso - de forma célere e exemplar ao nacionalizar o BPN (o que não invalida a intervenção dos tribunais...), mas é esse mesmo Estado que amanhã deve saber regular os recursos energéticos, nos mares, em terra e no ar. Potenciar o emprego, a riqueza, converter a despesa em receita, enfim, induzir o bem-estar na sociedade.
Tudo coisas que a teoria liberal e depois neolibral tomou por certo, mas esse livre jogo de forças só funcionou como rolo compressor das liberdades das pessoas. Será, porventura, esse o projecto liberal para a modernização da sociedade e da economia desejado pela srª Ferreira Leite?! O de esperar que a crise passe e logo se vê...
Hoje, mais do que nunca, o mercado livre, por regra, não tem capacidade para resolver satisfatoriamente certos problemas de política económica e social, posto que está unilateralmente orientado para promover as ofertas dos bens e serviços mais rentáveis. Ele não promove nenhum bem social, marginaliza mesmo o chamado bem comum (ou a economia social, preocupação da UE) - que falava o Aristóteles, e que a generalidade dos economistas liberais e neoliberais desprezam.
Por isso é que quando vejo Silva Lopes a fintar a tv, e não sendo ele um economista liberal, as suas palavras me parecem mais receitas do séc. XIX ditas por um homem do séc. XX para resolver problemas do séc. XXI.
É óbvio que a coisa não funciona. Tudo se retrai - à luz das suas teorias, todo o ambiente económico míngua. Tudo empobrece.
De facto, a escapatória hoje está, inequívocamente na capacidade do Estado dar o 1º pontapé, as empresas terão de dar outros pontapés a fim de amolgar a crise e pôr a economia, de novo, a funcionar. Até porque o mercado - abandonado a si - só carbora com atraso, e mal. Vimos isso através da crise do subprime que o mercado actuando sózinho só serve para mandar a casa abaixo. Foi o velho Estado que, afinal, apresentou a mão invisível, salvou empresas privadas, impediu, in extremis, muitas outras de irem à falência e, desse modo, foi, curiosamente, o Estado que fabricou "mais e melhor mercado".
No fundo, o Estado, por mais paradoxal que pareça, comportou-se nesta crise financeira global, a tal que deixa o economista Camilo Lourenço a citar a sua referência de finanças públicas (silva Lopes!!!) - como um verdadeiro empresário, um magnate dos negócios, só que em lugar de olhar para o seu umbigo, como desejaria Cadilhe ao querer evitar a nacionalização do BPN, perfilou-se como um agente indutor de bem comum. Um verdadeiro agente neo-aristotélico.
O Estado, de facto, mais do que se preocupar em saber se o dinnheiro existe ou está caro e é raro, tem que saber que qualidade de água temos, que transportes públicos temos, que Saúde e Educação temos, que tipo de planeamento e urbanização queremos ter para melhorar a qualidade de vida nas nossas cidades e o mais.
O Estado - não se deve preocupar com as ninharias que, não raro, ocupam a mente dos economistas mangas-de-alpaca do Banco de Portugal (com os resultados de "eficiência" que todos conhecemos...). A ele cabe-lhe perceber as necessidades globais e estratégicas patentes no nosso modelo de desenvolvimento e, em função disso, criar as condições legais, operacionais e institucionais para começar a seduzir a economia e pô-la a produzir, a crescer e a desenvolver-se.
É sobretudo da compreensão da imprescindibilidade das regulações e intervenções estatais em períodos de grande incerteza, como a nossa, que cabe ao Estado pensar enquanto tal, mas também perceber a lógica empresarial que lhe subjaz, desde que duas condições sejam atingidas nessa nova alavancagem:
1. O bem comum do homem
2. E a compreensão do papel do Homem no mundo actual.
Condições que hoje a economia privada, das chamadas empresas do lucro, durante anos entregue ao livre jogo das forças do mercado - jamais conseguiu assegurar. Bem antes pelo contrário...
Por isso é que hoje ouvir as temeratas receitas económicas do prof. Silva Lopes lembrei-me das receitas políticas da srª Ferreira leite. Umas e outras - a serem levadas a sério, só contribuiriam para uma coisa em Portugal: mais risco e incerteza banhados por um empobrecimento galopante de todos nós.
É o que dá quando teorias económicas do séc. XIX são proferidas por pessoas do séc. XX a fim de resolverem problemas de modernização e desenvolvimento do séc. XXI.
Numa palavra: avançe-se com o Investimento Público.
Solicite-se ao Estado que deixe "cair a nota"... : exige-se a Quantum of Solace.