terça-feira

O bode expiatório - por Francisco Sarsfield Cabral -

O sublinhado é nosso.
O bode expiatório, in Público
Desde que rebentou o escândalo do BPN, pouco mais de um ano depois do escândalo do BCP, o governador do Banco de Portugal tem sido alvo de uma chuva de críticas. Passividade no exercício da supervisão bancária, excesso de credulidade, ineficácia na descoberta de problemas graves naqueles dois bancos – são críticas dirigidas a Vítor Constâncio, que aliás não tem o pelouro da supervisão no banco central (mas é o governador).
Também se especula que o Banco de Portugal teria tentado encobrir delitos de pessoas importantes. Curiosamente, nestes dois casos e sobretudo no BPN, pessoas na sua maioria conotadas com o PSD.
As críticas partem de políticos e de comentadores. Na raiz das primeiras está sobretudo aquilo a que já se chamou um “ajuste de contas”. Em 2005, a pedido do então chegado ao poder primeiro-ministro Sócrates, Constâncio prestou-se a um exercício que deveria ter recusado: calculou, em Março, um défice “virtual” das contas públicas para esse ano. Chegou ao número de 6,83% do PIB, dando a Sócrates pretexto para simular surpresa e violar a promessa eleitoral de não subir impostos.
Embora com a louvável intenção de levar o novo governo a tomar indispensáveis medidas impopulares, foi um erro de Constâncio, dado que uma estimativa daquele tipo implicava necessariamente uma larga margem de arbitrariedade. Algo que os partidos do governo anterior, PSD e CDS, não esquecem. Era ministro das Finanças desse governo Bagão Félix, o que explica muita da agressividade dos ataques de Paulo Portas a Constâncio. Uma mistura entre política e supervisão bancária que João Salgueiro justamente denunciou.
Muitas das críticas feitas ao Banco de Portugal mostram ignorância do que é a supervisão nos sistemas bancários em economias de mercado. E é curioso que alguns dos mais assanhados detractores de Constâncio sejam habituais opositores da intervenção do Estado nas empresas – quando a prevenção de casos deste tipo só poderia ser garantida através de uma enorme polícia instalada na banca para a controlar. A supervisão não é uma actividade policial. E ainda que o fosse: não parece que o facto de todos os dias se cometerem crimes permita concluir que a polícia falhou.
Admito que Constâncio poderia ter mandado organizar uma supervisão mais moderna e eficaz. Mas é improvável que mesmo uma supervisão dessas tivesse evitado os escândalos de que se fala. Note-se que a supervisão não foi posta em causa noutros países, onde não impediu nem descobriu crimes bancários de maior gravidade.
Por exemplo, em França, as enormes fraudes na Société Générale (5 mil milhões de euros...) e no Crédit Foncier. Em Espanha, os crimes no Banesto, que levaram Mário Conde à prisão. E o mais antigo banco de investimento britânico, o Barings, desapareceu em 1995 por causa de habilidades fraudulentas de um seu funcionário na Ásia. Ora é mais difícil descobrir crimes que partem do topo da gestão dos bancos, como parece ter sido o caso entre nós (e foi o do Banesto), do que de subalternos. Mas em Portugal, se há fraudes na banca, o grande culpado é... o supervisor.
O desconhecimento sobre a supervisão e a delicadeza do sector bancário foram evidentes, por exemplo, na indignação de P. Portas por Constâncio não ter nomeado um administrador para o BPN ao tomar conhecimento, no início de Junho, de alegadas actuações criminosas no banco. Se o Banco de Portugal tivesse ido por aí transmitiria ao mercado e aos depositantes do BPN um sinal de descalabro iminente – teria, então, o BPN de ser logo agarrado pelo Estado, eliminando qualquer hipótese de a iniciativa privada o tentar salvar. Quanto aos comentadores que arrasam Constâncio, há que distinguir. Existem os que se especializaram em falar do que não sabem, naturalmente para dizer mal – que é fácil e o “povo” aprecia quando os visados são gente considerada importante. Mas também surgem críticas à supervisão do Banco de Portugal vindas de quem tinha obrigação de ser mais responsável. Cumprindo-lhe, pelo menos, explicar como, então, deveria o Banco de Portugal ter agido.
O populismo faz caminho em Portugal. O facto é que está criado um feroz preconceito contra o governador do Banco de Portugal. Ora fazer dele um bode expiatório só ajuda a branquear os autores das fraudes. Anda por aí alguma confusão de prioridades.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Tinha apostado com os meus botões em como o Francisco iria dissecar a questão do Governador do BdP no quadro do escândalo do BPN e do trauma - ainda não sarado - de Paulinho Portas, líder do partido do táxi - que assim julga arrecadar uns votinhos sabujos à conta dumas cacetadas que vai dando no Constâncio. O homem que mais é odiado em Portugal, diga-se em abono da verdade, mas pelo facto de ganhar um salário de príncipe, e não por ter-se revelado ineficaz na prevenção dos problemas da banca, quer do BCP, quer agora do BPN. O Francisco pôs, de facto, o "dedo e o pé" na ferida, até quando referiu Bagão Felix, e, para resumir, diria mais o seguinte: todos nós, na vida, já perdemos uma "OPA à PT", e quando assim é, o caminho bifurca-se:
  • Ou ficamos ressabiados, como Portas e o zé Fernandes do Pública, e arranjamos um bode expiatório que serve de saco de boxe;
  • Ou engolimos em seco e olhamos em frente sem mágoas nem resentimentos. Só as pessoas com nobreza de carácter conseguem seguir este último caminho.
    Ainda ontem, curiosamente, António Vitorino no NS da RTP referiu que os portugueses empregam todo o seu talento na criação de boatos, é verdade. Mas talvez aquilo que Vitorino devesse ter dito, é que a característica que melhor (infelizmente) tipica a nossa conduta colectiva - enquanto povo - culmina na palavra com que Luís Vaz rematou Os Lusíadas: a inveja.
    Dê-se os parabéns ao Francisco por mais este rigoroso e oportuno artigo. Eu também estive quase a pedir a cabeça do Constâncio.
    Dezassete mil euros mês é muito pilim, e eu ganho muito menos...