segunda-feira

O dinheiro e o mito do Santo Graal

A estória deste homem bem poderia ser igual à de milhares, de milhões de norte-americanos que, de súbito, viram as suas poupanças e reformas levadas pelo vento da especulação financeira e pela gula dos operadores que têm activamente contribuído para rebentar com o sistema económico e financeiro norte-americano e, por arrasto, o sistema mundial saído de Bretton Woods em 1945 estruturado em torno do FMI, Banco Mundial e depois da OMC: as três irmãs gémeas (neoliberalóides) que em 2003 o Nobel da Economia, Joseph Stiglitz - teve a coragem e a ciência de saber denunciar mundialmente. Foi despedido mas ganhou o Nóbel, foi um excelente negócio para a Humanidade. Parabéns Stiglitz...
Vem isto a propósito da extrema importância do dinheiro em nossas vidas e daquilo que fazemos ou deixamos de fazer para o arrecadar, mesmo para os falsos moralistas que passam a vida a pregar mas, na intimidade, ainda são mais ávaros do que aqueles que assumem gostar de dinheiro e de tudo aquilo que com ele se pode fazer. Neste domínio a lição que a América do Norte tem dado ao mundo é uma "lição" acerca da própria barbaridade do homem - capaz de se comer a si próprio por causa de tão vil metal.
Mas a história do dinheiro não começa em Wall Street nem acaba no BM ou no FMI ou ainda no Fed que agora tem de injectar capital nas "privadas" para evitar que o tecido social do Tio Sam entre em colapso e os EUA vão desta para melhor com um funeral lindo feito pelos próprios neoliberais - carrascos deles próprios. Por ironia da história das ex-13 colónias inglesas que um dia se fartaram de obedecer a Sua Majestade.
A história do dinheiro, dizia, é um pouco como o mito do Santo Graal, trata-se duma narrativa da corrupção dos antigos ideais da virtude - que foram lentamente corroídos pelo mal. O mal da nossa gula, avareza e perfídia geral dos homens, mesmo dos tais falsos moralistas - que têm uma compulsiva mania de se dizerem mais livres do que os outros.
A 1ª forma de dinheiro foi, curiosamente, os alimentos partilhados que, durante séculos, precederam a evolução da cunhagem de moeda. Ora, essa cunhagem tinha ao tempo o mesmo significado do que o Graal, uma relíquia sagrada simbolizando um alimento sagrado partilhado pelos companheiros leais. Na nossa cultura, o dinheiro teve origem nessa maneira idêntica de conceber o Santo Graal, numa refeição de comunhão, que exigia um ritual em que a comida partilhada simbolizava a dedicação mútua entre os comungantes. Hoje, ao invés, as pessoas vão alí ao McCdonalds enfardar aquelas porcarias, estão em rebanho na clássica multidão solitária que falava o David Riesman e não fazem a menor ideia do que é o Santo Glaal ou donde veio o dinheiro - que em si é bom, apesar daquilo que depois o homem faz com ele.
Na prática, e esta é a ironia dos tempos, o dinheiro começou como um símbolo religioso. Hoje é o que se sabe...
O dinheiro hoje nada tem de religioso, de ético, aquilo que avulta é uma barbaridade pegada nas relações económicas e até interpessoais - que também se estragam por causa do dinheiro e da inveja em torno dele ou do status que ele, directa ou indirectamente, proporciona.
Numa palavra, a crise financeira aguda nos EUA - e também já na Europa, é um sinal forte de que nada ficou na mesma, hoje são as emoções que têm um papel proeminente na criação de expectivas na economia real e virtual. As emoções são de extrema importância, já que é delas que derivam (ou não) índices de confiança que fazem funcionar (ou disfuncionar) os mercados na economia global - hoje assimetrica e perigosamente interdependente, como vemos pela necessidade vital de os Estados - numa época de acentuado neoliberalismo - intervirem junto dessas instituições financeiras a fim de evitar males maiores no tecido social.
Dantes, bem ou mal, lá tínhamos a família que nos apoiava, andávamos todos vestidos e alimentados - ainda que não cheirássemos bem e não tivéssemos bons carros e grandes casas. Nem fizéssemos monumentais viagens pagas a crédito e com juros escabrosos cobrados por uma banca bárbara.
Hoje, como o homem da imagem supra, todos podemos ficar despidos num ápice, basta que a ganância se apodere do sistema especulativo e financeiro onde temos os nossos recursos investidos. Hoje, estamos todos no mesmo barco, por isso todos podemos ir ao fundo quase em simultâneo, ainda que uns nadem melhor do que outros.
Dantes as comunidades eram congregações religiosas, e todos os membros se sentiam companheiros uns dos outros, compondo uma espécie de união sagrada. Hoje, até o mais ilustre indivíduo na polis fácilmente é cunhado de bandido fino, e se tiver muito dinheiro pior ainda. Hoje o dinheiro desmaterializou-se, aquela ideia do sagrado que fazia dele um símbolo da alma humana é hoje visto como o mais vil dos metais, tão vil que só alguns conseguem resistir à sua corrupção.
Por isso, sempre defendi, na linha de Woody Allen, que todos deveríamos nascer ricos e sê-lo toda a vida. Se assim fosse já não haveria falências desta ordem de grandeza.
Ser rico é importante, antes de mais nada por motivos financeiros...