Janela de Oportunidade - por António Vitorino -
O subinhado é nosso.
JANELA DE OPORTUNIDADE
António Vitorino
Jurista
Como já aqui escrevemos várias vezes, a resposta à crise financeira internacional passa por dois tempos: a estabilização imediata dos mercados e do crédito interbancário e a definição de regras que visem as causas da crise, impedindo a sua reedição.
E se as duas fases não se sucedem cronologicamente de forma pura, elas implicam-se, pois que só da sua conjugação pode resultar o restabelecimento da confiança necessário ao funcionamento da economia global.
Neste quadro, há que registar que o acordo entre os países da Zona Euro do passado domingo, seguindo de perto o plano anticrise britânico e definido em concertação com o próprio Governo de Gordon Brown, constitui uma preciosa janela de oportunidade para que se gere uma dinâmica da saída a prazo da crise.
Com efeito, continuará a haver alguma instabilidade tanto nos mercados como nos próprios preços das matérias-primas essenciais, mas as linhas de rumo definidas, quer no tocante à intervenção accionista dos Estados nos bancos em dificuldades quer na definição de garantias para os depositantes e para os empréstimos interbancários, são indicadores poderosíssimos da determinação dos governos europeus de assegurarem a sustentabilidade das nossas economias.
No imediato, a sorte destas medidas joga-se na concertação de esforços entre a Europa e os EUA, que se espera resulte da Cimeira que este fim-de-semana reúne em Camp David responsáveis europeus e norte-americanos. Ao mesmo tempo, a janela de oportunidade assim criada exige algumas medidas de fundo sobre o funcionamento do sistema financeiro internacional que não podem tardar: reforço das regras sobre a composição dos capitais dos bancos em função das sua responsabilidades, regras contabilísticas sobre activos que previnam perda de valor em função da actual situação depressiva do mercado, um quadro fiável de credibilização das agências de notação, medidas de transparência, responsabilização e de limitação dos proventos dos responsáveis pela situação actual nas instituições financeiras como pressuposto de aceitação, por parte das opiniões públicas, deste extenso (e oneroso) plano de salvamento dos bancos.
A necessidade destas medidas joga-se no muito curto prazo e continua a depender da capacidade de concertação internacional em geral e no plano europeu em particular.
Uma vez consolidada esta primeira geração de medidas de estabilização, criam-se as condições mínimas para agir sobre a economia real, limitando os efeitos da crise e evitando, na medida do possível, uma recessão generalizada que resultaria em prejuízo de todos. As medidas anunciadas em vários países (entre os quais Portugal) e no quadro europeu, destinadas a apoiar as pequenas e médias empresas, bem como o reforço dos mecanismos de investimento em infra-estruturas, constituem bons exemplos desta linha de acção urgente.
Como argutamente sublinhava esta semana o Presidente brasileiro, Lula da Silva, numa reunião conjunta com a Índia e a África do Sul, as economias emergentes dependem no seu crescimento económico das exportações, que seriam gravemente afectadas no caso de haver uma retracção profunda e prolongada nos países mais desenvolvidos.
Mas se é, pois, também do interesse das economias emergentes ultrapassar a actual crise financeira internacional, não é menos verdade que a esses países deve ser reconhecido um papel e uma voz na definição das regras de regulação financeira internacional para futuro, que é a fase que se seguirá. No fundo, o sucesso de um novo "Bretton Woods" a que apelou enfaticamente o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, depende menos de uma intrincada negociação técnica sobre rácios e boas práticas e mais da sua capacidade inclusiva global, ou seja, da forma como essa nova arquitectura for definida em parceria com as economias emergentes e não imposta pelos países desenvolvidos unilateralmente.
Esta crise é assim uma janela de oportunidade para julgar da vontade de reconhecer que o mundo global e interdependente em que vivemos é pertença de todos e não apenas a quinta de alguns.
Creio que será possível manter a janela aberta à espera de um novo inquilino na Casa Branca no começo do ano que vem.
Obs: Um artigo para ler e meditar que aqui nos deixa António Vitorino, sobretudo por banqueiros, gestores de conta, empresários, depositantes (grandes, médios e pequenos aforradores), proprietários de fábricas de cofres e colchões... Todos devem colher aqui as lições do passado recente e encarar o futuro com esperança, ainda que com alguma prudência e mais e melhor regulação por parte das entidades de supervisão que andaram a dormir todo este tempo. Em particular aqueles bancos de menor dimensão ligados aos ex-cavaquistas que ora solicitam empréstimos à CGD (de Faria de Oliveira, outro...) - que empresta. Sabemos, doravante, que são os governos dos Estados que se converteram nos grandes fiadores dos bancos - dando segurança e credibilidade ao sistema financeiro global que entrou em turbulência; mas se, ainda assim, essa cobertura real/estatal falhar por um qualquer azar dos Távoras - só Deus poderá cobrir a parada aos Estados, sob pena de as sociedades entrarem em colapso. E nós bem sabemos - na linha dos ensinamentos de Fernando Pessoa - que Deus não percebia nada de finanças nem tinha biblioteca... Nem usa telemóvel nem cartões multibanco...
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