domingo

Dois economistas e um político. Keynes, Sócrates e Schumpeter. Portugal e a crise

Ontem Sócrates deu uma entrevista à TSF/DN, entre muitas coisas (feliz com o facto de Manuel Alegre ter regressado ao PS e desejar Elisa Ferreira na Câmara Municipal do Porto) deixou uma ideia central: não é por estarmos em crise que o Estado se demite da execução dos investimentos que tem planeados, designadamente o aeroporto internacional de Lisboa e o TGV, entre outras redes viárias que servem a coesão social do País - e reduz as (ainda) existentes assimetrias regionais entre o Norte e o Sul, o litoral e o interior.
É óbvio que a crise está aí. Sente-se em múltiplos indicadores e regista-se em inúmeros comportamentos. Vai-se menos ao restaurante, produz-se menos, exporta-se menos, consome-se (internamente) menos. Tudo tem o sinal (-). É assim nos EUA, na Europa e, naturalmente, Portugal - com uma economia pequena e aberta - terá que se ressentir dessa crise que, esperemos, não regrida para recessão técnica. O que a acontecer, poderá fazer não só com que as pessoas não vão ao restaurante, mas também não comam em casa. O que seria dramático.
Eu, confesso, já comecei a beber mais água, chásinhos e, como os primatas, já ensaiei a ingestão dumas folhas secas - mas o aparelho digestivo não se adapta aos novos hábitos da noite para o dia. We shall see..
Mas entre a opção do Estado injectar capital na economia - gerando o tal "efeito de multiplicador" na economia que falava John Maynard Keynes, à esquerda na imagem, e não intervir, como um ultra-liberal - posição defendida pelo economista austríaco - Joseph Shumpeter - à direita na imagem - manda a prudência, até pelas lições desgraçadas que o mundo nos dá acerca do capitalismo de casino com epicentro nos EUA (subprime e contabilidades criativas), que seja a posição keynesiana a escola de pensamento e acção que seja seguida. O Estado - hoje - mais do que nunca, é o paizinho de todos nós. Disso não restam dúvidas, nem para os neoliberais empedernidos (autores da catástrofe). Os mesmos que quando a crise bate à porta são também os primeiros a estender as mãos ao Estado e pedir uns subsídios.
Vejamos melhor cada uma dessas opções. Com Sócrates, entalado, ao centro. À luz da teoria económica e no terreno da organização dos dispositivos de regulação da actividade económica, este é um período excepcional da nossa história - que condiciona, sobremaneira, a acção de planeamento político e a própria actividade empresarial. Tanto num lado como no outro, i.é, da intervenção do Estado na economia (Keynes) como da sua abstenção (Shumpeter) - entregando essa função ao mercado - ocorrem sempre contextos de forte manipulação das emoções das massas, quer do lado socialista, quer do lado mais liberal, ou do centro-direita, se se quiser.
Aqui, é óbvio que a srª Manela Ferreira Leite está do lado do mercado, já que ela entende que o Estado não tem dinheiro para nada, nem para ir ao cabeleireiro, portanto, deve ser o mercado que gera esse efeito de multiplicador da produção, do consumo e da distribuição (incluindo serviço de manicure e pedicure, mas sem madeixas...). E nós bem sabemos como é que o mercado é, as injustiças que gera e a pobreza que tem multiplicado - se esse mesmo mercado não for regulado e orientado para certos fins sociais.
A posição de Keynes é, ainda que não isenta de crítica, a mais realista, posto que se orienta para a resolução das questões relacionadas com a regulação dos equilíbrios sociais no curto prazo: como garantir, pela via da gestão da procura efectiva e pela distribuição, que as economias recebam estímulos suficientes a fim de evitar recessões, ou para que possam recuperar rapidamente de uma recessão, e desta que não evoluam para uma depressão, onde a instabilidade social, as emoções das massas colocariam em risco a própria organização liberal das sociedades ocidentais. Neste sentido, e recordemos a história do séc. XX, o objectivo era estimular a procura efectiva como opção política que acabou por ser executada por Roosevelt e por Hitler, nos EUA e na Alemanha. Seguramente, sem qualquer influência intelectual de Keynes.
Mas enquanto que Roosevelt e Hitler usavam os programas das obras públicas para injectar meios financeiros que operassem como estímulos para o sistema económico no seu conjunto, Keynes equacionava um modelo integrado que explorava as ligações intersectoriais, que passavam por ligar as condições de funcionamento do sistema fnanceiro, o nível salarial (para evitar pressões inflacionistas) e, sobretudo, temperava a sua metodologia associando-lhe os efeitos de um sistema distributivo baseado em instrumentos de políticas sociais que favorecessem as pessoas de menores rendimentos.
Portanto, a contribuição de Keynes foi ter teorizado um sistema de dispositivos que permitiria evitar a acumulação de emoções destrutivas nas massas e, ao mesmo tempo, estabelecia os critérios a que deveria obedecer a regulação das relações económicas - poupando as sociedades das tais forças fragmentadores típicas duma conjuntura recessiva e depressiva. Portanto, Keynes, e por isso gostei da entrevista de Sócrates à TSF/DN (porque realista), representou o papel do médico ideal em tempo de crise. Pois se hoje até é o Estado que aliementa o sector financeiro mundial - como é que o Estado poderia deixar de intervir na injecção de capitais na economia?
Não o fazendo seria organizar um funeral colectivo, sem que ninguém também conseguisse pagar a conta de tanto caixão aos cangalheiros. Nesta conformidade, creio que a posição do PM é a mais realista, a mais correcta, por ser aquela que é capaz de evitar males maiores.
Schumpeter orienta-se por linhas diferentes, pensa mais o médio e longo prazos e sublinha mais o factor de inovação empresarial e tecnológica, falando nos choques que instabilizam os sistemas económicos, os sistemas políticos e as sociedades no seu conjunto, sem que os agentes por ele responsáveis possam controlar os seus efeitos ou evitá-los. Ou seja, seguir uma receita shumpeteriana em Portugal, em matéria de política económica - seria iniciar um processo cuja evolução não se conseguiria controlar ou prever, além de servir mais interesses empresariais do que o bem comum da polis, que é o que está em causa.

Ou seja, Schumpeter é mais pessimista, vq, não acredita ser possível introduzir correcções na economia no curto prazo para a sustentabilidade da economia - mediante um equilíbrio quase perfeito entre a procura efectiva através do tal distributivismo das políticas sociais. Ora, é este pessimismo de Joseph Schumpeter quanto à eficá continuada do distributivismo keynesiano que o conduz à própria insustentabilidade do regime político liberal (que defende).

Keynes, ao invés, crê que estes ajustamentos de curto prazo na política económica são realizáveis, mas também são necessários para a própria competitividade e equilíbrios sociais das economias nacionais.

Ainda que estes desenvolvimentos teóricos sejam contemporâneos de práticas políticas que partiam das mesmas evidências - a crise económica - e a instabilidade social, as condições e capacidade de resposta são hoje distintas. Mesmo que se descambe para um tique mais musculado de Sócrates, pois ele é frequentemente acusado disso, até por quem não tem autoridade (Ferreira leite) - há sempre a justificação de que as políticas económicas socialistas propostas pelo actual PM não têm o objectivo destruir, mas impedir que se destrua e, se possível, acelerar o processo de reconstituição das condições socioeconómicas que devolvam a normalidade à vida em sociedade.

Posso estar enganado, mas foi assim que interpretei a entrevista de Sócrates à tsf/dn. Uma boa prestação que tem em vista duas racionalizações: a política e a económica - que hoje, mais do que nunca, devem andar juntas, ainda que quem mande seja a política - porque é esta que visa o bem comum, a economia não passa dum instrumento para atingir essa boa sociedade.

Por estas razões, e apesar da crise que todos, directa ou indirectamente sentimos, registei como positiva a prestação de Sócrates na antena da TSF.