terça-feira

Sousa Cintra e o camelot... A política, os negócios, a academia e a blogosfera. Bom tema para uma tese de Dout. Moulin-huge. Proposta indecente

Faço notar que a evocação da figura do camelot e de SC, um empresário respeitável (como são todos) - nenhuma relação tem com o resto da situação aqui narrada.

Por uma qualquer estranha razão o assalto que rendeu 1 milhão de euros praticado hoje em Alvalade, Lisboa, evocou-me - mal comparado, certamente, um testemunho corajoso feito por Sousa Cintra quando, aqui há anos abriu o livro da sua vida e mostrou como foi a sua ascenção antes de ser um empresário de sucesso e depois presidente do Club de Alvalade, que tem aqueles azuleijos de mau gosto de distraem os automobilistas na 2ª Circular, provocando-lhes acidentes.

Trabalhou em hoteis como ascensorista, mas nas horas vagas adquiria umas aguarelas manhosas que procurava vender nas explanadas de Lisboa. A pastelaria Suíça era um desses "pontos de ataque" de SC, que se fazia acompanhar de um camelot, cuja missão era específicamente simular interesse e oferecer um valor pelos quadros que então o verdadeiro artista - antes de ser empresário das águas, tentava vender nesses locais de lazer - frequentados por turistas. E desse jogo simulado de licitações o valor dos quadros ía disparando, prenunciando a economia de casino que hoje conhecemos em larga escala nos mercados internacionais e nas praças financeiras - que hoje, curiosamente, só sobrevivem à custa do Estado e dos otários dos contribuintes que são, precisamente, o Estado.

A coisa funcionava e deu para fazer uns cobres. Entretanto a vida mudou, o ramo de actividade também, e SC deixou de vender aguarelas manhosas para passar a vender águas e depois promessas e sonhos aos adeptos do Sporting, o 2º maior Clube depois do Glorioso, naturalmente.

Confesso que não sei bem por que razão aqui evoco este relato, mas a figura do camelot sempre me fascinou. Creio mesmo que ela deve ser estudada e meditada no mundo da política, dos negócios, da academia e até destas coisas da blogosfera. Ela denuncia uma dupla personalidade que habita, mais ou menos, em cada um de nós e que Pessoa, majistralmente, conseguiu definir no campo supremo da Poesia em Portugal.

Particularizemos, sumáriamente, cada um desses casos:

1. No mundo da Política é comum um candidato a um cargo ter um aliado que lhe dá cobertura e, directa ou indirectamente, lhe reforça a posição no terreno. Seja para consolidar a sua própria posição, seja para afastar a ambição de potenciais candidatos que rivalizem com ele a disputa de desse ambicionado cargo. Por isso, qualquer político que se preze terá sempre de dispôr de um camelot de inteira confiança, sob pena de deitar tudo a perder.

2. No mundo dos Negócios a figura do camelot é também crucial, por regra conhecida pelo testa-de-ferro - cuja missão é tomar posição financeira num certo momento do negócio ocultando o verdadeiro homem-forte que está por detrás do mesmo. Por exemplo, há quem diga que o testa-de-ferro do engº Belmiro de Azeredo é um tal jornalista que em breve, pelo mau jornalismo que professa, levará o homem à falência. Hoje as pessoas compram o Público para ler todos os colunistas que para lá escrevem, com excepção das banalidades do actual director. Eis o que me dizia há dias um importante gráfico do diário de Belmiro. Testemunho secundado por inúmeros jornalistas.

3. No meio académico a figura do camelot ou do idiota-útil, como diria Lenin, é uma regra muito generalizada na academia portuguesa. Um eis ministro de salazar - reproduziu como cogumelos camelots por Portugal inteiro, a fim de facilitar os projectos que as cabeças da hidra tinham numa determinada conjuntura, mormente ao nível da Educação. Hoje, ainda vemos esses restos do salazarismo pestilento arrastarem a sua senilidade pela RTP (que assessoram) paga pelos contribuintes - fazendo-se sempre acompanhar das jovens assistentes que, com muitos "ou seja" e "nomedamentes" lá iam fazendo o elogio fúnebre dos restolhos salazarengos que formataram, frustraram e até deprimiram e humilharam toda uma geração de catedráticos que hoje, na casa dos 50 anos em Portugal - não sabe se hão-de elogiar os restolhos da academia lusa, se os hão-de crucificar na praça pública.

4. Também na blogosfera - o camelot é uma figura recorrente. Muitos bloggers têm vários blogues, e quando citam nuns não citam noutros, nesta república mafiosa de citações provinciana e de plágio de análises que por aqui também se usa e abusa. Há até artistas que nas caixas de comentários se comentam a si próprios sob pseudonóminos, por ausência de clientela, e como a vergonha não paga - são os autores dos textos os mesmos que depois os comentam a si próprios fazendo-se passar por leitores casuais. Há até um bloger conhecido da nossa praça, com algum talento na fotomontagem, que não aguentou o peso do Macro e resolveu erradicá-lo do seu espaço residencial, momento a partir do qual, curiosamente, se passou a ter mais visitas. Obrigado. Aqui os pecados capitais - como a inveja, a gula e alguma luxúria de trazer por casa - denunciam a verdadeira personalidade de certas pessoas que, não raro, as palavras ocultam.

Costumo dizer que quando se conhecem as pessoas in concreto, percebendo as suas motivações e reacções, a desilusão é sempre uma forte possibilidade. Deus quando fez o homem só o fez parcialmente virtuoso...

Enfim, a vidinha está cheia de ressabiados, de invejosos que lidam mal com o sucesso dos outros. Agora, de forma inovadora, como que a recortar uma nova forma de cometer o crime em Portugal, os bandidos esperam que o ouro lhes vá cair nas mãos. O que coloca um novo desafio para os técnicos da investigação em Portugal, que terão de passar a lidar com um novo perfil de criminoso.

Já não são os bandidos que têm de correr atrás do objecto do furto, são as riquezas de "500s" - que ilustraram boa parte da nossa gesta dos Descobrimentos - que hoje vão parar às mãos de bandidos, alguns deles amadores que por terem pouco jeito para o crime até parece que combinam tudo préviamente na tasca da esquina - num dia de Outono neste Portugal dos pequeninos.

Também isto é arte, também isto é Portugal.

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Moulin-Huge

Proposta indecente