terça-feira

O URSO RUSSO NÃO GOSTA DE DESAFIOS NO QUINTAL - por Leonídio Paulo Ferreira -

UMA SÍNTESE EFICIENTE DE LEONÍDIO PAULO FERREIRA ACERCA DO CONFLITO NO CAUCASO.
O URSO RUSSO NÃO GOSTA DE DESAFIOS NO QUINTAL, in DN
Leonídio Paulo Ferreira jornalista
Se os russos quisessem uma grande razão de queixa histórica da Geórgia bastava-lhes alegar que a república do Cáucaso lhes ofereceu um tal de Iossif Djugashvili, conhecido como Estaline, o mais brutal dos ditadores soviéticos, senhor absoluto de Moscovo durante três décadas até à sua morte em 1953. Mas, desde que votaram pela independência em 1991, os georgianos somam também desafios aos russos: a recusa durante dois anos de integrar a Comunidade de Estados Independentes (espécie de herdeira da União Soviética), a tolerância dada aos rebeldes chechenos para usarem o vale de Pankisi como santuário até 2002, a recepção triunfal ao americano George W. Bush em 2005, o pedido de adesão à NATO em 2006. E acima de tudo a resistência ao separatismo da Abcásia e da Ossétia do Sul, regiões onde os sentimentos russófilos dominam, de tal modo que na segunda delas uma unificação com a Ossétia do Norte (onde fica a triste Beslan) e o regresso à soberania moscovita surgem mais fortes que os traços nos mapas.
Habituado a lidar com os senhores do Kremlin (afinal foi ministro dos Negócios Estrangeiros de Mikhail Gorbachev, o último líder soviético), Eduard Chevardnaze percebeu enquanto presidiu à Geórgia que o mais sábio seria não provocar a Rússia e tolerar que abcases e ossetas vivessem uma espécie de independência não oficial. Mas o seu sucessor desde 2004, Mikhail Saakashvili, um advogado formado nos Estados Unidos e que faz questão de exibir o seu fluente inglês, decidiu que os separatismos eram para acabar, tanto mais que o recente precedente da independência unilateral do Kosovo (simples província da Sérvia) poderia reflectir-se no Cáucaso. Provavelmente, contou que a sua ofensiva militar na Ossétia do Sul não teria resposta dura de Moscovo, preocupada em evitar tensões com os Estados Unidos.
O erro de cálculo de Saakashvili pode sair caro a todo o Cáucaso, dado o risco de efeito-dominó sobre outras regiões do quintal russo. O Presidente georgiano, desagrado com a sua perda de popularidade interna, pretendeu arranjar uma causa unificadora, ignorando que a actual Rússia - reforçada pela prosperidade dos hidrocarbonetos - tem ambições de grande potência. E que, três meses após ser eleito para o Kremlin, Dmitri Medvedev não deixaria passar a oportunidade para se mostrar um líder decidido. Aliás, foi com mão dura na Chechénia, também no Cáucaso, que em 1999 o seu antecessor, Vladimir Putin, se afirmou o novo homem-forte do país.
Mas ser uma potência implica responsabilidades. À Rússia, com 30 vezes a população da Geórgia e uma área 250 vezes maior, compete encontrar uma saída para a crise. O urso russo mostrou já o seu poderio militar (incluindo bombardear Gori, terra natal de Estaline) e cumpriu a promessa de protecção aos ossetas. Agora, Medvedev e Putin, que se tornou primeiro-ministro em Maio, devem pensar em negociações.