segunda-feira

Barack Obama - por Serge Halimi -

Acusamos a recepção do mail simpático que o Le Monde diplomatique, ed. portuguesa - nos enviou. Aqui publicamos uma matéria.
Barack Obama
por Serge Halimi
in Le Monde diplomatique, ed. portuguesa Barack Obama tem sorte. Quer suceder a um dos presidentes mais impopulares da história do seu país, é jovem, é mestiço, e o mundo inteiro parece estar à espera de que ele seja eleito para a Casa Branca. Parece pois mais bem armado que qualquer outro candidato para «renovar a liderança americana no mundo» [1]. Ou seja, para reabilitar a marca América, para fazer com que as intervenções dos Estados Unidos no estrangeiro sejam mais bem executadas, por terem melhor aceitação – e mais aliados.
Incluindo as intervenções militares, em particular no Afeganistão: «Construirei», promete, «um exército do século XXI e uma parceria do século XXI tão poderosos como a aliança anticomunista que venceu a Guerra Fria, para continuarmos em toda a parte na ofensiva, de Djibuti a Kandahar» [2]. Aos que ainda imaginam que a possibilidade de virem a ter um presidente «multicultural» de pai queniano significaria ipso facto o advento de uma América new age e uma dança de roda em que todos os compinchas do mundo dariam as mãos, o candidato democrata já fez saber que se inspiraria mais na política externa «realista e bipartidária do pai de George Bush, de John Kennedy e, em certos aspectos, de Ronald Reagan», do que nos Pink Floyd ou em George McGovern [3]. O multilateralismo não é para amanhã; o imperialismo será contudo mais soft, mais hábil, mais concertado e quiçá um pouco menos mortífero – embora os oito anos de embargo impostos pela presidência de Bill Clinton tenham morto um número enorme de iraquianos…
Barack Obama tem talento. A Audácia da Esperança, o seu livro programático, mostra do que é capaz a sua mescla de inteligência histórica, de astúcia, de «empatia» política pelos adversários – cujas «motivações» diz «compreender», reconhecendo neles «valores que compartilha» –, de um fraseado sabiamente harmonioso que não resolve grande coisa mas que satisfaz (quase) toda a gente, de humor, e também de convicção. Duma convicção, porém, atenuada pela inquietante homenagem por ele prestada ao ex-presidente Clinton, que terá «extirpado do Partido Democrata alguns dos excessos que o impediam de ganhar as eleições» [4]. Que excessos? A rejeição da pena de morte? A ajuda social aos pobres? A defesa das liberdades públicas? Uma certa redistribuição dos rendimentos?
Barack Obama tem ambições. Até onde o irá levar a ambição, legítima, de «ganhar as eleições»? Os últimos meses parecem sugerir a resposta: mais para a direita. Não ao ponto, com certeza, de isso o tornar intermutável com o republicano John McCain, justificando o lema «é tudo igual ao litro». Mas já para bastante longe do discurso progressista do início da sua campanha, e para mais longe ainda daquilo que os seus apoiantes mais idealistas julgaram ouvir. Porque o «Yes, we can» passou a significar também: Sim, nós podemos criticar uma sentença do Supremo Tribunal que proíbe, apesar de ser muito conservador, a execução de violadores não culpados de assassinato; Sim, nós podemos pronunciar perante o lóbi pró-israelita um discurso alinhado pelas posições mais inflexíveis do governo de Ehud Olmert; Sim, nós podemos associar sistematicamente criatividade e sector privado, completar a missão de redefinição do progressismo lançada por Bill Clinton e Tony Blair, promover uma aliança de classe cujos actores centrais sejam os dirigentes de empresas e os quadros.
Mas há uma coisa ainda mais inquietante. Obama, afoitado pela grande abundância das contribuições financeiras que fazem inchar os cofres da sua campanha, desferiu recentemente um golpe considerável, porventura fatal, no sistema de financiamento público das eleições. Com efeito, anunciou que será o primeiro candidato à presidência, desde o escândalo do Watergate, que renuncia a receber do Estado um determinado montante (84,1 milhões de dólares em 2008), atribuído a cada um dos dois grandes rivais em troca da sua aceitação de um limite de despesas equivalente à soma recebida. O peso do dinheiro na política não é um problema menor nos Estados Unidos. Obama declarou que não o iria resolver. Restam-lhe, noutros pontos, algumas possibilidades de não decepcionar. O que permitiria que os verdadeiros amigos do povo americano continuassem a ter… a audácia da esperança.
quinta-feira 7 de Agosto de 2008 Notas
[1] Barack Obama, «Renewing American Leadership», Foreign Affairs, Nova Iorque, Julho de 2007.
[2] Ibidem. De resto, uma tal ambição implicará um acréscimo do orçamento do Pentágono e o acrescentamento de «65 000 soldados e 27 000 fuzileiros» nas forças armadas norte-americanas.
[3] Discurso de Greensburg (Pensilvânia), 28 de Março de 2008.
[4] Barack Obama, The Audacity of Hope, Crown, Nova Iorque, 2006, p. 35 [A Audácia da Esperança, Casa das Letras, 2007].