O processo do acto delituoso. Felicitações ao MAI, à PSP e aos GOE
Na teoria do acto criminal há a noção de que se passa ao acto criminal (roubo, sequestro, etc) porque os criminosos experimentam um forte sentimento de injustiça sofrida. A interiorização deste cálculo configura, à priori, uma situação pré-criminal - que torna mais precisa e consistente a perspectiva segundo a qual o acto delituoso se desenvolve ao longo de uma série de etapas sucessivas, que conduzem o actor a fazer uma escolha que não é inteiramente predeterminada. Por vezes, um dos sequestradores pode mudar o seu campo emocional, e duma situação de intransigência negocial pode decidir passar a negociar com as forças policiais no campo operacional. No caso dos sequestradores brasileiros que ontem assaltaram a dependência do BES, em Campolide - não houve margem para negociação e o resultado foi fatal, mas podia também ter sido fatal para a vida dos reféns. Apesar de tudo, houve sorte na operação de ontem, descontando o amadorismo patente nas movimentações dos dois criminosos brasileiros que encostaram as armas às cabeças dos seus dois reféns, ambos funcionários da agência bancária - que revelaram ter nervos d' aço e merecem uma menção tão discreta quanto especial nos bastidores do poder. Portanto, a situação de um crime, qualquer que ele seja, tem como explicação quer a personalidade do agente criminoso, quer a sua situação pré-criminal, o que implica conhecer a sua cosmovisão e a conjunção de um determinado número de elementos que os fazem sentir excluídos do mundo - e que a prática do "seu crime", em princípio, visa restaurar e/ou compensar. Logo, aquele acto criminoso na agência do bes de Campolide (passe a Pub. a Ricardo Espírito Santo) não pode ser vista como um resultado mecânico e instantâneo de alguém que está a pensar ir almoçar à Valenciada de Campolide, e mudou repentinamente de ideias, tropeçou e entrou pela agência bancária adentro para consumar um assalto seguido de sequestro (visto que as forças policiais acudiram ao local imediatamente), e montaram logo um perímetro de segurança. Mas o factor indeterminação é uma espécie de radical livre que constitui uma dor de cabeça para as forças policiais, dado que essa indeterminação decorre não só do próprio processo em si, mas também da personalidade do agente criminoso, uma vez que este não é completamente livre nem completamente determinado. Por isso, em muitas negociações que envolvem sequestros - as mudanças de atitude dos agentes criminosos revelam oscilações bruscas de ordem comportamental que obrigam a um repensar e reequacionar permanentes da gestão da informação pelas forças policiais. Ou seja, exige mais e mais negociação..., a fim de salvar os reféns. Numa palavra: se os criminosos brasileiros que ontem desencadearam o assalto seguido de sequestro pudessem retroagir no tempo, conhecendo atempadamente os seus efeitos futuros, porventura teriam decidido ir almoçar uma feijoada à brasileira num restaurante de Campolide. Mas o passado, bem ou mal, não existe, nem é reprogramável no modo, no tempo e na circunstância. Só existe presente, o futuro é sempre uma promessa... Assim sendo, os actos criminosos resultam de um processo imprevisível de interacções entre um ou mais agentes criminosos e uma dada situação. São, mais do que outros, actos poderosamente aleatórios e de elevado risco para todas as partes: sequestradores, reféns e forças policiais. Quando é que uma situação de elevado risco (de vida) transita para uma situação de normalidade? - o que não sucedeu ontem, lamentavelmente... Quando os agentes criminosos consentem em largar as armas e os pressupostos morais que os impeliram ao crime - o risco diminui, a situação tende a normalizar-se e a transgressão das normas e das leis cessa. Quando tudo isso sucede - por regra - ninguém é enviado para a morgue embrulhado num saco de plástico... Pergunte-se, doravante, aos potenciais criminosos que andam por aí a planear novos actos criminosos - quem desejaria ser atingido pelos atiradores furtivos na imagem supra... Não duvido que muitos não se importariam de morrer por uma boa causa. Para muitos deles, a vida também não faz muito sentido. PS: Para que conste em memória futura, convém sublinhar o seguinte: 1. Esteve bem o MAI, Rui Pereira, que ratificou a decisão ao mais alto nível 2. Esteve bem o Comandante da PSP que supervisionou operacionalmente a operação 3. Estiveram bem os atiradores furtivos de serviço que, apesar do vento, as balas não assumiram trajectórias perversas que poderiam confundir sequestradores com reféns e vítimas inocentes. - Uma felicitação especial aos elementos de dísparo - homens de elite do Grupo de Operações Especiais (GOE) integrados na PSP, uma espécie de "pilotos de caça F-16" - mas em terra. (Ver link, CM) Artigos conexos, aqui (in cm)
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