sexta-feira

O Retorno - por António Vitorino -

A recentemente aprovada Directiva Europeia de retorno, que cria regras comuns sobre a expulsão de imigrantes ilegais, tem sido veementemente criticada a partir de pressupostos morais e jurídicos.
Não nego que ela coloca algumas questões jurídicas duvidosas: desde logo, a da proporcionalidade das medidas de detenção quando aplicadas a menores não acompanhados.
Do ponto de vista moral já foi considerada a "directiva da vergonha", por visar expulsar os ilegais retomando uma retórica de "Europa-fortaleza". Contudo, esta crítica moral normalmente acaba por desaguar na defesa da imigração irrestrita.
No meu entendimento há razões para colocar uma questão central de moral política, mas não essa que acaba por legitimar as redes de imigração clandestina e de tráfico de seres humanos que alimentam as fileiras de ilegais nas sociedades europeias.
Falemos claro: uma política de imigração digna do nome não pode pactuar com esses fenómenos de criminalidade ou com a criação de situações de "ilegalidade tolerada", que as autoridades fingem não ver e de que apenas beneficiam empregadores sem escrúpulos, que sobreexploram mão--de-obra barata de pessoas em situação de absoluta vulnerabilidade. Por isso, muitas vezes, políticas ditas "duras" de controlo de fronteiras convivem, no mesmo país, com políticas complacentes ou negligentes de (ausência de) controlo do trabalho clandestino ou não declarado!
Uma política de retorno dos imigrantes em situação ilegal faz parte de uma política de imigração integrada, desde logo em nome da protecção do estatuto dos próprios imigrantes legais e da regulação da situação laboral das sociedades de acolhimento.
Logo, a crítica moral que justificadamente se pode fazer à directiva de retorno é que mais uma vez parece mais fácil chegar a acordo sobre medidas repressivas do que sobre medidas positivas sobre a imigração, designadamente sobre a abertura de canais legais e transparentes que viabilizem a chegada dos imigrantes de que necessitamos na Europa e que podemos de facto integrar, especialmente por via do acesso ao mercado de trabalho, numa base de direitos e obrigações equiparável à dos cidadãos nacionais dos Estados Membros da União.
Neste caso, a ausência de equilíbrio interno das políticas de imigração europeias acaba por minar a base da própria autoridade moral para combater a ilegalidade e a clandestinidade!
Mas quando os defensores da directiva de retorno e os seus detractores trocam argumentos sobre o tema, convergem num ponto: estão, por razões distintas e até opostas entre si, a inflacionar as expectativas quanto aos resultados práticos da sua aplicação. Receio que as expectativas que uns e outros colocam na directiva sejam manifestamente exageradas.
Não havendo garantias seguras, por natureza, admite-se que estejam em situação ilegal no espaço da União Europeia entre 8 a 10 milhões de pessoas (nos EUA estima-se que sejam 13 milhões). Isto dá-nos uma ideia da dimensão do problema.
Normalmente os Estados não divulgam os números das expulsões efectivas por comparação com as ordens de expulsão emitidas (estas já de si em número muito mais reduzido do que o universo de ilegais, claro está). Mas não será exagerado dizer que a taxa efectiva de execução das expulsões não andará longe dos 40% daquelas ordens de expulsão. Depois, nunca se sabe ao certo quais as disponibilidades financeiras colocadas ao serviço dessa política de retorno, mas o que sabemos é que essas expulsões são dispendiosas. Conhecer o seu custo real e a despesa efectivamente feita ajudaria sempre a perceber melhor a distância da retórica à prática e avaliar o seu impacto.
Finalmente, o retorno depende, em última instância, da vontade de terceiros: isto é, dos países de origem dos imigrantes que reconheçam ter a obrigação de os receber. Ora, para além, muitas vezes, das dificuldades em identificar donde são originários, pesa aqui a boa vontade desses países para que o retorno possa efectivamente verificar-se. E este é um domínio onde a boa vontade escasseia.
Razões que mereceriam mais e melhor ponderação, um debate democrático aprofundado e menos marketing panfletário!

Obs: Divulgue-se.