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Empresas estatais e regras do mercado - por Francisco Sarsfield Cabral -

Empresas estatais e regras do mercado, in Público 18 Fev./08
É muito comentado o facto de dinheiro da Ásia e dos produtores de petróleo do Médio Oriente ter vindo tapar alguns colossais “buracos” abertos em bancos americanos e europeus pela crise do crédito hipotecário de risco. Por exemplo, o Citigroup e a Merryl Lynch receberam mais de 20 mil milhões de dólares de fundos governamentais, ou “soberanos”, de Singapura, da Coreia do Sul e do Koweit.
Hoje há grandes disponibilidades financeiras fora dos países ditos desenvolvidos. No Médio Oriente, porque o petróleo está caro. Na China e noutros países asiáticos porque têm registados sucessivos excedentes nas trocas comerciais com os EUA. Esses países acumularam, assim, enormes reservas. Acumulação reforçada pela relutância chinesa em deixar subir o câmbio da sua moeda. Para não revalorizar o yuan face à moeda americana e não perder competitividade nas exportações, Pequim comprou mais e mais títulos em dólares.
É saudável que parte desses excedentes volte a entrar no circuito financeiro dos EUA, ainda por cima numa altura de aperto no crédito e de recessão à vista. Há trinta e tal anos, na sequência dos primeiros choques petrolíferos, milhões de “petrodólares” árabes foram investidos em países consumidores de petróleo na Europa e na América, ajudando-os a enfrentar a crise.
Dito isto, há motivos para preocupação. É que o dinheiro vem de fundos soberanos, detidos pelos Estados. E esses fundos podem não agir numa lógica empresarial, mas prosseguir objectivos políticos e estratégicos pouco simpáticos, a prazo, para os países que recebem o dinheiro.
O fundo soberano da Noruega gere os ganhos do petróleo do Mar do Norte com transparência e visando resultados financeiros. Mas outros fundos estatais são opacos quanto aos objectivos que prosseguem e aos meios que utilizam. O que provoca suspeitas e receios.
Isto dá argumentos aos nacionalistas económicos, como Sarkozy. E reforça a onda proteccionista nos EUA. Para travar essa onda urge que os fundos estatais dêem uma resposta positiva ao Fundo Monetário Internacional, que lhes solicita mais transparência.
Este tipo de problema – entidades estatais a operarem no mercado com intuitos menos claros - não se coloca apenas quanto aos fundos soberanos asiáticos e árabes. Também existe em relação a certas empresas estatais.
Por exemplo, a Gazprom russa concretiza uma óbvia estratégia política de Moscovo: aumentar a dependência energética dos europeus em relação à Rússia. Não são as regras do mercado que ali predominam.
Em Portugal, La Caixa, o maior accionista do BPI, é um banco que pertence ao governo autónomo da Catalunha. Como o seu modo de actuar é de índole empresarial, não suscita problemas. Já quanto à Sonangol, empresa petrolífera do Estado angolano, são legítimas as dúvidas. A Sonangol está presente no capital do BCP e da Galp, podendo vir a participar noutras empresas portuguesas. O dinheiro angolano dá muito jeito, mas tem os seus riscos.
Recentemente a Sonangol fechou, ou ameaçou fechar, as contas que tinha no BFA, o banco do BPI naquele país, numa clara pressão do Estado angolano. Pressão que, não sendo ilegal, certamente condicionou a posição do BPI na mudança de administração do BCP: o BPI evitou então opor-se às opções da Sonangol para não estragar o negócio angolano.
Angola é hoje um mercado importante para as exportações e os investimentos portugueses. Mas há um preço a pagar por negócios em países onde o Estado domina a economia. Quem opera em países como o angolano sujeita-se ao poder político local, que nem sempre segue as regras correntes em países de economia de mercado. E não apenas na banca e nas obras públicas: a Unicer foi obrigada a aceitar três parceiros locais numa nova fábrica de cerveja em Angola.
Se não se pode questionar a actuação do Governo de Luanda e dos seus agentes empresariais no território angolano (a menos que violem algum compromisso internacional), a actuação de empresas estatais angolanas na nossa economia suscita algumas interrogações. As mesmas que se levantam quanto aos fundos soberanos: essas empresas talvez executem orientações políticas não necessariamente favoráveis ao país que as acolhe.
Por isso deve-se exigir transparência a quem investe em Portugal. Tal como se exige aos fundos soberanos.
Francisco Sarsfield Cabral Jornalista
Sugestão de destaques:
Dinheiro estatal da Ásia e do Médio Oriente veio tapar buracos no Ocidente
Se não se pode questionar a actuação do Estado angolano no seu território, são legítimas dúvidas quanto ao investimento de empresas estatais de Angola em Portugal