Confesso que gostei da forma e do fundo com que o PM, José Sócrates representou o seu papel de primo inter pares. Por vezes irritadiço, obrigando até Ricardo Costa a jogar os olhos na mesa pedindo desculpa aos deuses por ter nascido (como se fosse um monge tibetano em momento zen), ante o olhar carrancudo e vazio de Nicolau Santos. Mas dum modo geral a coisa fluíu de forma interactiva, muito embora os desempregados, os empresários falidos, os funcionários públicos que perderam poder de compra, algumas corporações e sectores da sociedade mais desfavorecidos - estivessem diante do televisor com J3 na mão o tempo todo.
Numa síntese muito tosca diria que o PM sublinhou algumas ideias-força que, não obstante serem verdadeiras - aindam deixam muita "água na boca" junto dos portugueses. A saber:
1. controlo do défice abaixo dos 3% - ao invés da obsessão de Manela Ferreira leite que só se concentrava nessa tarefa descurando as demais componentes da economia;
2. Crescimento ténue da economia, a roçar os 2%, crescimento que seria, certamente, maior caso o défice não fosse tão elevado ao tempo de Durão barroso;
3. E alguma criação de emprego, apesar da taxa respectiva ter estacionado nos 8%, e aqui há que elaborar um Plano Nacional de Emprego - que envolva as empresas (com incentivos e em regime de parcerias público-privado) para empregar jovens licenciados - que são o calcanhar de aquiles do tecido social português.
Pelo meio o PM explicou um conjunto de reformas na área da Educação, da Saúde e da Economia que valerá a pena reter, e, esperemos, surtam o seu máximo efeito nos próximos meses, como a sedução de mais e melhor IDE (Investimento Directo Estrangeiro) - de que a Sonangol poderá, por exemplo, ser mais um bom investimento, sobretudo atendendo à taxa de crescimento (cerca de 40%) das exportações nacionais para Angola, a questão da transição da Administração da CGD para o BCP sob a liderança de Carlos Santos Ferreira e de mais umas questões conexas de que os portugueses já estão fartos de saber.
Contudo, a razão pela qual boa parte do discurso do PM é visto com desconfiança por alguns sectores da sociedade portuguesa, deve-se ao facto de, não obstante haver mais inovação e evolução tecnológica - factores inseparáveis da globalização - elas - juntas ainda não estão a revolucionar a produtividade em Portugal nem, de caminho, esse apelo catalizou os jovens licenciados para esse esforço conjunto da competitividade da economia nacional. Eis o desafio... É para aqui que o PM terá de olhar e pôr o seu ministro do "Trabalho a trabalhar". Em articulação, naturalmente, com o seu ministro da Economia e de outros sectores e departamentos do Estado que se articulam com o mundo empresarial - que não poderá ficar de fora desse novo Plano Nacional Integrado de Emprego em Portugal.
Sendo certo que a arte política nesta esfera reside em saber recompensar os trabalhadores com uma economia menos agitada, menos insegura e menos estratificada no domínio social - deixando aqui um lastro de injustiça social que Sócrates terá, necessáriamente, de interiorizar, compreender para melhor poder atacar o problema. Até porque se não o fizer fica autista e, isso, não será um bom indicador para resolver o problema de forma estrutural.
De resto o Francisco Sarsfield Cabral concordou, na essência, com a entrevista do PM e percebeu que ela lhe correu bem, mas também percebeu que Portugal está a concorrer com países como a Índia e a China, o escritório e a oficina do mundo que operam com baixos salários, sem direitos sociais e já com um capital intensivo em tecnologia considerável, tudo factores que levam à produção de bens que inundam os mercados nacionais funcionando, por essa via, como exportadores de desemprego. Por outro lado, esteve bem o Francisco quando sublinhou o passivo da entrevista - talvez por falta de tempo do PM - já que Sócrates deveria ter enfatisado o que vai menos bem: a reforma da Administração pública, a reforma da justiça (que é bloqueante em toda a sociedade) e a oscilação dos preços do petróleo e do mercado imobiliário norte-americano que afectou, sobremaneira, a crise de confiança na Europa - que, de per se, já não consegue gerar uma taxa de poupança indispensável para os investimentos feitos através da banca - que hoje também vende o dinheiro mais caro.
Num registo interpretativo convergente confesso que apreciei a análise do prof. António Costa Pinto - quando referiu que a praxis política de Sócrates não revela nenhuma clivagem entre direita e esquerda, o que converge com uma convicção nossa segundo a qual o poder não tem ideologia, quer é governar à direita, à esquerda e ao centro; sublinhou uma ideia de consensualização em torno dos grandes projectos, como o aeroporto internacional de Lisboa. Enfim, tratou-se duma entrevista em que o PM poucas ou nenhumas concessões eleitorais fez, veio para ficar, como o Toyota. Tudo num contexto em que a única oposição que existe são os slogans mais ou menos imaginativos do BE representados na rua do Ouro, que servem para interrogar os turistas que se passeiam na baixa e depois perguntam aos donos dos cafés de que escola de Teatro é que se trata. Se soubessem que o mestre da orquestra era o Anacleto Louçã...
Numa palavra: Sócrates não tem, neste momento, alternativa credível à sua governação nem à sua liderança. Espelhou garra, determinação, ambição e persistência, mas é igualmente com esses valores que ele também deverá compreender que pode humanizar mais o seu discurso político, e ajustar alguns dos seus programas sociais e económicos ao padrão de vida que a classe média (baixa) hoje vive em Portugal. E é aqui que entra a sedução de mais IDE e do tal Plano Nacional de emprego, já que o valor das nossas vidas jamais deverá ser avaliado pela ditadura dos números, como diria António Guterres, e que a qualidade da nossa sociedade e do nosso PIB nem sempre encontram correspondências desejáveis.
E se há gap nestas áreas - será nelas que o actual PM se deverá concentrar com todo o seu fulgor para cumprir as promessas eleitorais que formulou em 2004/05, o que seria não só a melhor prenda para ele próprio como também a melhor prenda para os portugueses, que ficariam deslumbrados se, a montante, o prof. Teixeira dos Santos anunciasse uma baixa de impostos.
Por último, e no quadro das reacções da oposição à entrevista do PM, vemos aqui do Dona Zita Seàbra: um resquício do pcp, uma larva do Centro e leste europeu, uma memória de Cunhal hoje como Vice-Presidente do psd de Santana e de Meneses - sublinhando que o PM estava triste e sem chama, depois invertia a fórmula e referia que estava sem chama e triste. E ao olhar melhor para a dona Zita percebi bem a razão (além de editar os livrinhos de santana lopes...) pela qual ela hoje está onde está, companhada pela dupla maravilha de Santana & Meneses - os dois maiores passivos do psd desde o post-25 de Abril. Mais do que um acidente da natureza e das circunstâncias históricas, não deixa de ser uma infelicidade humana tanta promiscuidade partidária que, em rigor, só desprestigia e descredibiliza a ideologia, o sistema de partidos e, em última análise, a política.
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