quinta-feira

Alípio Ribeiro, director da Polícia Judiciária

À falta de projecto político nacional alternativo e de fragmentação das oposições, mormente do psd e do cds, que é quem mais teme investigações da PJ nos casos de alegada corrupção em que estão envolvidos ao tempo do governo Durão Barroso, este homem, Alípio Ribeiro, discreto, ponderado e cauteloso - disse uma verdade que foi imediatamente aproveitada políticamente para atacar o governo.
É óbvio que aquelas declarações, no sentido de que houve "precipitação na constituição de arguídos os pais de Mady" são políticamente enfraquecedoras, vulnerabilizando a investigação da PJ, os seus quadros e até fragilizando o papel do governo - já que a questão se mediatizou mundialmente, ao invés do caso Rui Pedro - em que só um ou dois agentes se ocuparam do caso e nem sequer apoio psicológico deram aos pais do menino que já desapareceu há quase uma década. Aqui não houve peditórios, campanhas, atenção mediática... Nada. Aqui tudo foi verdadeiramente miserável, assim como nos demais casos de meninos desaparecidos que integram a classe média, média-baixa. Isto revela um pouco o o conceito de Portugal-miserável que ainda somos.
Demitir o homem por reconhecer um erro e ter falado verdade?! Acho exagerado, até porque a melhor política, a médio e longo prazos, é sempre a Verdade, mas que foi um tiro no pé, lá isso foi. Entretanto, o ministro da Justiça, Alberto Costa, deu cobertura ao director da PJ e a oposição, mormente o psd-cds - logo aproveitou para fazer o seu psicodrama ante os olhos e ouvidos da nação, pensando assim que desgasta mais Sócrates e leva o ministro da Justiça a demitir Alípio Ribeiro, ou até a fazer com que ele saía pelo seu próprio pé.
Mas todo este psicodrama não decorre de dezenas, centenas, milhares de crimes sem castigo em todo o mundo? Quantos casos haverá ainda por resolver? Substituir o director da PJ trará a Maddy de volta? Então, e não foi a imprensa portuguesa, e até os media ingleses que, a dado momento, acreditaram nessa tese, segundo a qual os pais estariam a ocultar algo comprometedor? É claro que sim.
E vai um homem à tv reconhecer um erro a fim de arrepiar caminho e procurar novas pistas e hispóteses de investigação, e pedem logo a cabeça do dito.
Se o País estivesse saudável isto jamais aconteceria: saudável na economia, na sociedade e em toda a psique colectiva, em que cada pequena questão é imediatamente empolada, ou para servir os interesses da oposição, ou para abrir telejornais e vender mais papel, ou até para alimentar uma euforia colectiva que, desse modo, mantém o país entretido com casos que, em rigor, não são estruturantes para o take-of da economia nacional, apesar da Justiça ser uma área essencial do desenvolvimento e modernização democrática.
Há, contudo, uma outra abordagem que se pode fazer neste nó górdio - logo maximizado pela entente cordiale psd-cds a fim de acelerar o processo de destruição política do actual PM, José Sócrates - que faz o que pode num país, de alto a baixo, verdadeiramente miserável, mesquinho e subdesenvolvido, além de invejoso e bufo. Uma bufaria, diga-se em abono da verdade, que Socrates também é corresponsável, desde logo quando manteve à frente da DREN aquela topeira zelosa cujo nome já nem recordo.
E esse novo approach remete para uma questão (mais) filosófica (do que política ou judicial) do nosso tempo, ou seja, somos hoje homens prisioneiros deste tempo - onde o verdadeiro se tornou efectivamente um momento de falsidade. É isso que extraío das palavras de Alípio Ribeiro: uma verdade inconveniente. Alguns, como Al Gore, ganham prémios nóbeis, outros tendem a ser crucificados na praça pública em nome dessa verdade. Seja ela ambiental, desportiva ou até no âmbito da justiça, no caso vertente.
E é neste jogo de verdade e mentira, de real e virtual, de impotência da investigação perante um crime (e criminosos) que andam sempre umas léguas mais à frente do braço da lei, que se joga o jogo da construção (sociológica) da verdade, que é sempre uma construção provisória e frágil. Numa reciprocidade onde o falso é verdadeiro para, no instante seguinte, o verdadeiro se revelar falso e tudo, de novo, ficar paralisado ou voltar à estaca zero. Há milhares de crimes assim, sem castigo... Até em Inglaterra.
Mas este é o risco de se lidar com uma ciência social, i.é, com os pressupostos erráticos da conduta humana e, portanto, não se trata de somar 2+2=5, mas de descobrir - por ciência ou inspiração e muita transpiração - a verdade do nosso tempo.
O problema é que a verdade do nosso tempo não passa duma mentira que já não se pode desmontar fácilmente, nem sequer se pode pensar que essa mentira é falsa mas unicamente enquanto for esta verdade que pretende ser.
O ministro da Justiça, Alberto Costa, com quem, de resto, nunca simpatizei, só terá de fazer duas coisas: intra-muros, deverá sugerir mais contenção ao director da PJ; e extra-muros, perguntar à excepcionalíssima polícia inglesa se, por acaso, não viu a menina Maddy.
Que, coitada, se soubesse o que em torno dela já se pensou e disse, morreria de susto, certamente!!
PS: A ironia do destino em toda esta "estória" é que o homem que foi mais discreto, cauteloso - e até mais se distanciou da tese de que os pais da menina foram cúmplices no eventual rapto da filha, seja agora aquele que mais crucificado é - em nome duma Verdade que, provavelmente, nunca se descobrirá. Uma coisa é certa, quando se tem filhos pequenos, não convém jantar e estar na pândega com os amigos noutro espaço, por vezes essas folias pagam-se caras, e foi, infelizmente, o que sucedeu.