quinta-feira

A história da reciclagem e os nossos biombos

Image Hosted by ImageShack.us

Quando alguns de nós descobrimos querer "marrar" numa pessoa, num grupo delas, numa instituição ou noutra qualquer organização vamos evocar motivos de ordem objectiva, quantificada, visível aos olhos de todos de molde a que essa crítica se torne efectiva, plausível e credível. Mas é óbvio, porque somos humanos, logo falíveis e parciais, também incluímos nessa equação motivos de natureza subjectiva que podem ir desde a cor da gravata, à cor da pele ou à maneira de falar, agir ou gerir uma situação ou um conjunto delas, sobretudo se essa pessoa ou equipa tiver responsabilidades políticas.
Isto é da natureza das coisas, o homem é mesquinho e quando se esquece disso utiliza a sua inteligência para transformar o zumbido duma mosca num terramoto. E depois, como alguns são inteligentes parvos, querem fazer-nos crer que o mundo é mesmo assim: todo parvo. Mas não é...
Vem isto a propósito da reciclagem, pois quando algumas pessoas descobrem que ela não funciona tão bem como pensavam, ficam muito zangadas. E as mesmas pessoas que conduzem Jipes Porsche Cayenne ou compram atum em latas ficam zangadas por saber que, afinal, os contentores de reciclagem são apenas um paliativo, não uma cura para o problema.
Isto faz-me lembrar o cidadão que acha que a gestão duma cidade é uma fraude porque algumas praças, ruas e avenidas estão sujas. Visão tão parcial quanto mesquinha, sobretudo nas cidades do País que vivem um grave problema de passivo financeiro, o que aconselha a moderação de intervenções. Depois, quando hà mortes na via pública, porque algum condutor/a é uma "bestinha" porque adormeceu ao volante e ceifou um semáforou e, de caminho, matou uma, duas ou três pessoas - a culpa é logo do vereador que tutela o trânsito. Outra parvoice decorrente, claro está, dos tais maus sentimentos decorrentes da tal transmutação psicosociológica acima exposta.
Ou seja, o homem é esse ser desatinado, um monte de efemérides, e os pontos de vista que expende, por vezes, são mais velozes do que os factos mostram, e acabam por denunciar essa mutabilidade extrema de personalidade, tantas vezes inconsistente porque só cola a uma pequena parte da realidade, esquecendo a parte mais azul da mesma - que não interessa relevar - porque estraga o argumento inicial.
Isto cola com a questão prévia: a reciclagem não poupa assim tanto dinheiro e recursos como a maioria das pessoas pensa. E na maior parte dos casos custa até mais do que poupa. O custo de manuseamento, selecção e processamento de todo esse lixo é demasiado elevado, sobretudo em bairros com uma densidade populacional densa.
Facto que entronca com a questão paralela: por que razão se zangam tanto as pessoas? Para quê tantos baixo-assinados, para quê tantas manifestações a inundar gabinetes ministeriais, "autarcais" e outros que tais?!
A resposta reside nisto: as pessoas, de facto, revoltam-se porque os factos relativos às "reciclagens da vida" (lato senso) são opostos à cosmovisão que alguns de nós têm. Mas é a "reciclagem" (do pensamento, da análise, da escrita, da intervenção social e da cidadania - (via blogosfera e mediasfera) - que salva a nossa consciência, ou seja, são essas pequenas intervenções que nos fazem sentir bem e permitir, em inúmeros casos, olhar para os nossos umbigos e dizer: como sou genial!!! E muitas pessoas convencem-se disso depois em todas as outras coisas. E aqui estragam tudo...
Faz-nos sentir puros. Por isso, não nos tirem a reciclagem, pois se ela nos for subtraída está tudo estragado. E aí acreditar numa mentira será o mesmo do que compreender a realidade. Ambas se tornam indistintas...
Talvez não tenha sido par hazard que as populações de N.Y., ficaram indignadas quando as autoridades municipais cancelaram os programas de reciclagem. Enquanto isso milhares de pessoas, naturalmente, continuaram a separar as suas latas e garrafas apenas por ser moralmente difícil deitá-las fora.
Em rigor, a mentira da reciclagem é um expediente transponível para outras situações que tecem a avaliação que cada um de nós faz e desfaz no espaço público relativamente aos agentes que nos (des)governam em determinada conjuntura. Seja ela local, nacional, internacional ou mesmo global e planetária.
A mentira, encapotada e servida com uma verdade absoluta, e para isso arranjam-se sempre umas fotografias, umas imagens e umas declarações a preceito, é sempre tão súbtil quanto multifacetada e profundamente errática. Por vezes diz mais de nós do que própriamente dos outros. Até a testemunha do cão, por vezes, serve para demonstrar os nossos pontos de vista, basta querermos muito que tal suceda.
A lição que vou extraindo do que vou vendo e lendo, é, primeiramente, a de que nós, os homens - somos seres desatinados, capazes do melhor e do pior. Nuns casos emitimos juízos extremamente sofisticados numa fracção de segundos, noutros mudamos de ideias de forma mais rápida do que a luz, e aí não resistimos a (querer) alterar a própria realidade. É assim nas amizades, nos casamentos e, também, naturalmente, na política.
É da condição humana... Não há reciclagem que baste!!!